*Rangel Alves da Costa
Ontem mesmo eu fiz a postagem de um texto
intitulado “A chama do velho candeeiro”. Era, porém, uma escrita curta, de
poucas linhas, sem o fôlego necessário para falar muito mais sobre essa
luminária cabocla de tão grande importância na história interiorana,
principalmente a sertaneja. Pela aceitação e necessidade de me alongar um pouco
mais, então resolvi rabiscar os entendimentos e as memórias que se seguem.
Quando cito entendimentos e memórias é no
sentido da percepção da importância do candeeiro no dia a dia de antigamente,
bem como trazendo ao lume de agora as relembranças que guardo comigo daquele
passado de noites de casas e casebres iluminados pela chama no pavio. Tenho
pouco mais de cinquenta anos, mas muito me recordo daquelas noites escuras no
sertão onde nasci e das casinhas distantes onde a única visão que se tinha era
da porta aberta e iluminada pelo amarelado dançando ao vento.
Hoje em dia, candeeiro é quase uma raridade
no mundo sertanejo. Depois do advento da luz elétrica, nem mesmo por recordação
as pessoas mantiveram guardadas suas luminárias antigas. Somente nas regiões
mais distantes e aonde a posteação elétrica ainda não chegou, é que não se tem alternativa
a não ser utilizar lamparinas. E tais lamparinas geralmente são modernas, a
botijão de gás ou mesmo outras luminárias a combustível. E o candeeiro, daquele
autêntico, envelhecido e escurecido pelo uso e pelo fumo ao redor, somente
naquelas casinholas mais empobrecidas, mais distantes, quase nos escondidos do
mato.
Estas casinholas distantes, bem distantes de
tudo, são avistadas na noite, e ao longe, como vaga-lumes que não saem do
lugar. No meio do breu, em meio à escuridão sertaneja, avistar uma luzinha
amarelada ao longe é sinal de que ali há moradia. Acaso a porta esteja aberta,
possível será sentir o fraco amarelado da luz como um balançar que ora aumenta
ora diminui. É a chama no pavio dançando e se balançando ao sabor do vento, que
em momentos faz com que pareça que vá apagar. Mas com portas e janelas
fechadas, somente se aproximando mais para que as frestas digam das vidas ainda
acordadas.
Verdade é que depois da lua cheia, do
vaga-lume e do olho atento, o candeeiro foi a luz que mais iluminou os sertões
de antigamente. Não havia vela disponível, lampião a gás, lamparina de camisa,
nada que facilitasse a vida do sertanejo e o tirasse do breu noturno. Ao surgir
o candeeiro, que nada mais é que um vasilhame que vai afunilando para cima até
forma um bico, e neste desponta o pavio de algodão, então a vida ficou muito
mais segura e animada.
Ora, os casebres se animavam com a chama
acesa, a mulher costurava e remendava seus panos, a mocinha debulhava o feijão
de corda, o menino reinava de canto a outro. O velho vaqueiro ajeitava seus
couros para a labuta do dia seguinte, o homem da terra separava o grão,
ajeitava a enxada, a foice, remexia no aió e no embornal. Tudo nascido de uma
coisa tão simples. Bastava colocar querosene dentro do vasilhame e logo o pavio
se umedecia pronto pra chamejar.
Quanto mais umedecido o pavio mais a chama se
aviva, crescia, dançava, iluminava, fumaçava. Mas quando o querosene ia
diminuindo no bojo, então logo o pavio escurecia, a luz enfraquecia, a fumaça
enegrecia. Era hora de despejar mais querosene, trocar o pavio e deixar que a
luz novamente dançasse sua valsa. Naquelas paredes de barro enegrecidas em
muitos lugares, principalmente nas partes mais altas, a prova de que ali o
candeeiro quase beijou sua face. A fumaça escurecida ia dando aquela cor
envelhecida e triste.
Mesmo o vento açoitando, a luz balançava e
não apagava. Nem todo sopro de gente conseguia apagar a vibrante chama. Por
isso que quando já tarde da noite e todos tinham de se recolher, o dono ou a
dona da casa se dirigia até o candeeiro, geralmente atrepado num dos cantos, e
com dois dedos apertava o pavio. E não se queimava, pois saber passado de
geração a geração, e que envolvia passar os dois na boca antes de levá-los ao
pavio aceso. Tudo escurecia novamente. Somente a lua lá fora, somente o
vaga-lume lá fora e por todo lugar.
Assim naquelas noites antigas, naquelas
noites tão sertanejas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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