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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 17 de setembro de 2016

VELHO CANDEEIRO, LUZ DO SERTÃO


*Rangel Alves da Costa


Ontem mesmo eu fiz a postagem de um texto intitulado “A chama do velho candeeiro”. Era, porém, uma escrita curta, de poucas linhas, sem o fôlego necessário para falar muito mais sobre essa luminária cabocla de tão grande importância na história interiorana, principalmente a sertaneja. Pela aceitação e necessidade de me alongar um pouco mais, então resolvi rabiscar os entendimentos e as memórias que se seguem.
Quando cito entendimentos e memórias é no sentido da percepção da importância do candeeiro no dia a dia de antigamente, bem como trazendo ao lume de agora as relembranças que guardo comigo daquele passado de noites de casas e casebres iluminados pela chama no pavio. Tenho pouco mais de cinquenta anos, mas muito me recordo daquelas noites escuras no sertão onde nasci e das casinhas distantes onde a única visão que se tinha era da porta aberta e iluminada pelo amarelado dançando ao vento.
Hoje em dia, candeeiro é quase uma raridade no mundo sertanejo. Depois do advento da luz elétrica, nem mesmo por recordação as pessoas mantiveram guardadas suas luminárias antigas. Somente nas regiões mais distantes e aonde a posteação elétrica ainda não chegou, é que não se tem alternativa a não ser utilizar lamparinas. E tais lamparinas geralmente são modernas, a botijão de gás ou mesmo outras luminárias a combustível. E o candeeiro, daquele autêntico, envelhecido e escurecido pelo uso e pelo fumo ao redor, somente naquelas casinholas mais empobrecidas, mais distantes, quase nos escondidos do mato.
Estas casinholas distantes, bem distantes de tudo, são avistadas na noite, e ao longe, como vaga-lumes que não saem do lugar. No meio do breu, em meio à escuridão sertaneja, avistar uma luzinha amarelada ao longe é sinal de que ali há moradia. Acaso a porta esteja aberta, possível será sentir o fraco amarelado da luz como um balançar que ora aumenta ora diminui. É a chama no pavio dançando e se balançando ao sabor do vento, que em momentos faz com que pareça que vá apagar. Mas com portas e janelas fechadas, somente se aproximando mais para que as frestas digam das vidas ainda acordadas.
Verdade é que depois da lua cheia, do vaga-lume e do olho atento, o candeeiro foi a luz que mais iluminou os sertões de antigamente. Não havia vela disponível, lampião a gás, lamparina de camisa, nada que facilitasse a vida do sertanejo e o tirasse do breu noturno. Ao surgir o candeeiro, que nada mais é que um vasilhame que vai afunilando para cima até forma um bico, e neste desponta o pavio de algodão, então a vida ficou muito mais segura e animada.
Ora, os casebres se animavam com a chama acesa, a mulher costurava e remendava seus panos, a mocinha debulhava o feijão de corda, o menino reinava de canto a outro. O velho vaqueiro ajeitava seus couros para a labuta do dia seguinte, o homem da terra separava o grão, ajeitava a enxada, a foice, remexia no aió e no embornal. Tudo nascido de uma coisa tão simples. Bastava colocar querosene dentro do vasilhame e logo o pavio se umedecia pronto pra chamejar.
Quanto mais umedecido o pavio mais a chama se aviva, crescia, dançava, iluminava, fumaçava. Mas quando o querosene ia diminuindo no bojo, então logo o pavio escurecia, a luz enfraquecia, a fumaça enegrecia. Era hora de despejar mais querosene, trocar o pavio e deixar que a luz novamente dançasse sua valsa. Naquelas paredes de barro enegrecidas em muitos lugares, principalmente nas partes mais altas, a prova de que ali o candeeiro quase beijou sua face. A fumaça escurecida ia dando aquela cor envelhecida e triste.
Mesmo o vento açoitando, a luz balançava e não apagava. Nem todo sopro de gente conseguia apagar a vibrante chama. Por isso que quando já tarde da noite e todos tinham de se recolher, o dono ou a dona da casa se dirigia até o candeeiro, geralmente atrepado num dos cantos, e com dois dedos apertava o pavio. E não se queimava, pois saber passado de geração a geração, e que envolvia passar os dois na boca antes de levá-los ao pavio aceso. Tudo escurecia novamente. Somente a lua lá fora, somente o vaga-lume lá fora e por todo lugar.
Assim naquelas noites antigas, naquelas noites tão sertanejas.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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