*Rangel Alves da Costa
O ditado é velho, mas sempre válido aos
tempos de agora: a saúde no Brasil está no leito de morte. Todos aqueles que
necessitem de algum cuidado médico em hospital ou posto de saúde têm de amargar
as dores do descaso, da omissão, da falta até de um remédio básico ou de um
simples curativo.
Corredores abarrotados de pacientes, doentes
jogados em macas pelos cantos e corredores, filas intermináveis para
atendimentos. Cirurgias e outros procedimentos, ou aguardam as intermináveis
filas ou o doente se vê sem opção: ou contratar atendimento particular ou saber
que vai morrer. E o pobre, que não tem qualquer outra solução a não ser
submeter a tais desumanidades?
Entra governo e sai governo e a crise na
saúde vai aumentando seu grau de risco. Os leitos hospitalares nunca são
suficientes à demanda, os profissionais de saúde vivem reclamando das condições
salariais e de trabalho (e por isso mesmo atendem mal), falta insumos básicos
aos atendimentos, é tudo ao desvão da vida. Além disso, nos centros de
fornecimento de medicamentos sempre estão em falta aqueles mais utilizados pela
população.
Acaso a doença seja de gravidade reconhecida
e de difícil tratamento, como os casos oncológicos, então a situação complica
ainda mais. Não só os tratamentos são deficitários como o fornecimento dos
medicamentos necessários aos pacientes carentes. Em muitas situações, ante a
escusa do Estado no fornecimento, os pacientes, sem poder pagar o remédio,
simplesmente não tinham a quem recorrer. Era morte certa.
Perante tal situação, as pessoas pobres, se
sentindo ameaçadas na sua existência pela negligência estatal, geralmente recorriam
às defensorias públicas para garantir o fornecimento de remédios de alto custo
ou mesmo para a realização de cirurgias, gerando uma judicialização sem
precedentes nos serviços de saúde. Afirme-se, contudo, por culpa do próprio
Estado que nunca cuidou da saúde como deveria fazê-lo. E mesmo após o advento
da Constituição de 1988, onde a saúde tem primazia como direito fundamental, o
tanto faz continua o mesmo.
Para resolver parte da questão, foi submetida
ao Supremo Tribunal Federal a apreciação do problema da obrigatoriedade de
fornecimento pelo Estado dos medicamentos de alto custo. Uma questão, aliás,
cuja solução não precisaria de qualquer alta indagação: aos pacientes dos serviços
públicos de saúde não pode ser negado o fornecimento de medicação, seja a qual
custo for. Tudo simples de ser resolvido. Mas não. A retórica togada insiste em
penalizar a população.
Tenho certeza que jamais houve uma formação
tão contraditória, senão desrespeitosa, do que essa turma de agora no STF.
Decisões estapafúrdias, invencionices jurídicas, votos e posicionamentos
eivados de pessoalidades. E agora mais este absurdo: negar a Constituição no
que respeita à obrigação do Estado perante a saúde da população em geral, e
principalmente dos mais carentes.
Ora, a Carta Magna estabelece a saúde como
direito fundamental do cidadão. Com efeito, o art. 196 reconhece a saúde como
direito de todos e dever do Estado. Assim, todos devem ter direito à saúde,
quer dizer, mecanismos de prevenção e de cura, atendimento médico, hospitais,
postos de saúde, medicação aos necessitados, etc.
Mesmo que a atuação do Estado não seja
abrangente perante todos, jamais deixará de sê-lo quanto se trata de pessoas
carentes, pobres, necessitadas. Há de se reconhecer que só utiliza o sistema
público de saúde quem realmente não tem outro jeito a dar. E com relação à
aquisição de medicamentos, a carência em si não deve considerar o baixo poder
econômico, mas sim a impossibilidade de sua aquisição pelo alto custo. E assim
porque nem sempre a classe média tem condições de adquirir uma medicação
específica e de alto valor.
Neste momento, quando a vida passa a correr
risco pela falta de medicação, então é que o Estado deveria estar mais
presente. Mas agora o STF quer dizer que não. E não porque quer impor uma série
de exigências ante a urgência que cada caso requer. Antes de requerer o
medicamento, o paciente ou sua família deve fazer uma série de provas
verdadeiramente incompatíveis ante a situação.
Tem de provar que o SUS não tem o remédio,
tem de provar que não tem recursos suficientes, tem de provar que fez os
devidos requerimentos, tem de provar que a pessoa ou toma aquele medicamento ou
corre risco de morte. Além de uma série de outras provas. Tudo complicação. E
demasiada complicação. Num país onde a aquisição de um simples remédio se torna
uma novela, que se imagine remédio controlado, de alto custo, tantas vezes
importado.
No vão das inconsequências, que o STF decida:
“A morte é um dever de todos e direito do Estado”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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