*Rangel Alves da Costa
Sou sertanejo de nascimento, assim tão da
terra quanto o calango e o preá, acaso este ainda encontrado. Também quanto o
mandacaru, o facheiro e o xiquexique, que ainda reinam imponentes a cada passo
do mundo sertanejo. E mais ainda igual ao caboclo que lida na força e na
perseverança o seu dia a dia.
Sou da terra, porém não moro lá. Apenas de
quinze em quinze, ou de oito em oito dias, nos finais de semana, é que viajo
para reencontrar o meu mundo, a minha gente, os meus amigos enraizados ao chão:
toda pedra, toda planta e todo bicho. Mas chegando a Poço Redondo, no sertão
sergipano, logo me vejo muito além da cidade, pois enveredo nos seus caminhos
de chão para avistar e conviver com as simplicidades somente encontradas no
mato, ou no meio do mato.
É caminhando pelo mato que passo quase toda a
minha estadia no sertão. Mesmo agora que o sol está mais avivado e o calor já
ressurge em fogo, ainda assim sempre sigo, de chinelo de pé, por estradinhas
pedregosas, veredas espinhentas e caminhos ressequidos, em busca daquilo que
geralmente o forasteiro não dá a menor importância: os velhos casebres, as
casinhas de barro e cipó, as paisagens inusitadas, os tanques tomados de barro,
as malhadas tristes e os bichos desalentados de tudo.
Nem sempre caminho por paisagens acinzentadas
pelas estiagens. Em determinados períodos do ano, principalmente em épocas de
trovoadas, o sertão se enche de um verde maravilhoso. Como nas terras secas,
sedentas e famintas, qualquer pingo de chuva provoca verdadeira transformação,
então logo as plantas parecem renascidas e os bichos refeitos de todo
sofrimento. A terra úmida faz vingar qualquer grão, os arvoredos começam a
pender suas viçosas folhagens. Mas tudo por pouco tempo, o tempo suficiente de
a ilusão novamente enfrentar a realidade da falta de chuvas e da sequidão.
Neste último domingo, por exemplo, encontrei
um mundo assim, muito mais triste pela terra seca, pelos matos retorcidos de
secura e paisagens abertas como um espelho de sol, e isso desde a manhã. Pois
foi na manhã que sai de casa e fui seguindo pelos caminhos ladeados pela
mataria sertaneja. A bem dizer, sequer mataria há mais, pois terras de poucas
árvores, de poucos tufos de matos, num descampado que mais parece deserto
encimado por cactáceas e miúdas plantas rasteiras.
Mas uma paisagem que já tanto me acostumei a
encontrar assim. Triste demais, porém a mais verdadeira, pois a mais sertaneja.
Desalentadora demais, contudo a mais real e a que mais sintetiza o mundo
chamado sertão. Neste não há oásis nem pujança verdejante, não há jardins nem
paisagens primaveris, mas apenas a feição sertaneja na sua dimensão maior: a
catingueira, o xiquexique, o mandacaru, a planta morta, o galho esturricado, o
bicho pastando debaixo do sol, as casinholas entristecidas e habitantes
desalentados. Apenas sertão e o seu retrato em preto e branco.
Nesta última caminhada adentrei por lugares
ainda não visitados. Passei entre fios de arame, abri velhas cancelas,
cuidadosamente caminhei entre pontas de pedras, surpresas espinhentas e
garranchos atrevidos. Ouvi latido e ameaça de uns dois cachorros, sai do
caminho dos animais, mas não precisei abrir a boca em nenhum momento.
Silenciosamente fui e silenciosamente retornei. Também não precisei bater palma
defronte qualquer das casinhas que me aproximei.
Os casebres, quase todos de barro batido,
estavam de portas e janelas fechadas. Alguns animais pelos arredores,
caminhando soltos e em busca de qualquer alimento por cima do chão, de vez em
quando procurando descanso debaixo das sombras de pés de pau. Ao lado das
casinhas, pequenos currais velhos e já sem serventia. Cestos vazios, cocheiras
sem uso de muito tempo. Quer dizer, os donos fecharam suas casas e deixaram os
bichos ali, pastando sua própria sorte, ao desvão dos dias e das noites.
Registrei na memória e também em fotografias.
E guardo o álbum que eu não queria guardar. Mas assim mesmo. Sou sertanejo e
também faço parte desse retrato.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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