Rangel Alves da
Costa*
O ilustre
Sr. Gachoud, em homenagem ao princípio da liberdade de expressão, pode afirmar
o que bem desejar, pode se expressar como bem entender. Do meu lado, também em
louvor ao princípio do contraditório, posso desafiar todas as suas assertivas.
Eu com a minha e ele com a sua razão.
Nada mais
que obedecer ao velho ensinamento atribuído a Voltaire (pois muitos afirmam que
não é da lavra do filósofo francês), aquele mesmo estabelecido como balizamento
da liberdade de expressão: “Posso não concordar com o que você diz, mas
defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.
As
palavras do Sr. Gachoud são interessantes, principalmente quando diz que o
governante representa o povo e a nação. Mas não posso concordar com o Sr.
Gachoud pelo fato de o governante representar somente a si próprio. As
histórias dos governos e seus egoísmos parcem suficientes para tal comprovação.
Ora, o Sr.
Gachoud há de compreender que nenhum governante dá a mínima importância se o
povo está de panela vazia ou já não suporta a carestia dos alimentos. Do mesmo
modo, para o governante, o bem da nação representa a imagem de seu governo, que
outra coisa não é do cuidar apenas de si mesmo e da manutenção de seu poder.
Mas as
palavras do Sr. Gachoud são deveras auspiciosas, principalmente quando afirma ser
o homem a salvação do próprio homem. Contudo, não posso comungar com o Sr.
Gachoud. Fosse o homem responsável pela salvação do próprio homem não teria
provocado tantos malefícios ao seu presente e ao seu futuro.
Como todo
respeito ao Sr. Gachoud, mas o homem é o seu próprio algoz, seu carrasco e seu
juízo final. Desde que sua existência foi-lhe concedida após o ato bíblico da
criação, outra coisa não fez senão destruir tudo sobre o que lança mão. Destrói
a si mesmo, o que possui o outro e vai além, pois se arvora no direito de
devastar a natureza e todos os bens da vida planetária.
O Sr.
Gachoud insiste em afirmar e eu insisto em prestar bastante atenção. E dize-me
o ilustre senhor que o futuro da humanidade é aprender com os próprios erros e
daí provocar um forçado renascimento. Entretanto, mais uma vez me permito
discordar do pensamento do Sr. Gachoud, principalmente porque vivemos em
sociedade e não em devaneios mitológicos onde de repente tudo pode alçar
diferente como num voo de Fênix.
E digo
mais ao Sr. Gachoud: Como o homem tem plantado e vem semeando, outro não será o
futuro da humanidade senão o caos, a nefasta e plena desordem. Os erros humanos
se acumulam, as iniquidades humanas persistem, as irracionalidades vão se
tornando irremediáveis. Não parece possível o renascimento no homem que elegeu
a violência, a destruição, a barbárie e a desumanidade como princípios de vida.
Para que surja a esperança será preciso que as cinzas devastem o mundo de agora
e, sobre seus escombros, da dor talvez surja outra vida.
Mas o Sr.
Gachoud é insistente. E tão persistente que apregoa estar o mundo em plena
ordem com o seu tempo e que todo mal existente não é consequência de um
desacerto do homem, mas do próprio mundo que vai acumulando um fardo pesado das
realizações negativas passadas. E aí mais um erro do eminente senhor. Nem o
mundo está em plena concordância com o seu tempo nem a desordem existente é
culpa das cinzas dos anos.
Não sei se
o Sr. Gachoud irá compreender, mas é fácil observar que o mundo vem em contínuo
avanço, anda sempre para frente, e nesta caminhada há a oferta de meios que
permitam o avanço do conhecimento, há as descobertas científicas que permitem
muitas soluções para os problemas existentes, há mais liberdade e condições de
ação, mas ainda assim quase nada que efetivamente melhore a vida do planeta e
do homem. Os exemplos são muitos, e por todos os lugares. Aumentou o medo, a
violência, a permissividade nefasta, o pecado e a ganância. Assim, a culpa de
tudo não poderá recair no passado se o homem atual não se cansa de produzir seu
próprio fim.
Por
último, afirma o Sr. Gachoud que há um pessimismo exagerado em relação à vida e
ao mundo. Neste aspecto, ouso discordar apenas em parte do nobre senhor.
Realmente há pessimismo em todos os quadrantes da existência. Porém não
exagerado. O negativismo existente nada mais é que reflexo daquilo que é
confrontado todos os dias, em todo lugar, desde uma emergência de hospital,
passando pela arrogância nas relações sociais e chegando até as imensas filas
para a matrícula dos alunos.
O Sr.
Gachoud também há de observar que ninguém em sã consciência irá se sentir
otimista ante a corrupção desenfreada, as roubalheiras sem fim, a inflação galopante,
os preços dos remédios e dos alimentos, as contas de energia que sobem todos os
dias. O povo tem fome de otimismo, tem sede de otimismo, sonha com otimismo.
Mas tudo se transforma ao abrir a porta e encontrar mil razões para ser
pessimista.
O Sr.
Gachoud não existe, é um interlocutor meramente ficcional. Mas sei que existem
muitos Gachoud por aí. E para todos eu apresentaria as mesmas contestações,
ainda que outros surjam para discordar de nós dois.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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