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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

AS PALAVRAS DO SR. GACHOUD


Rangel Alves da Costa*


O ilustre Sr. Gachoud, em homenagem ao princípio da liberdade de expressão, pode afirmar o que bem desejar, pode se expressar como bem entender. Do meu lado, também em louvor ao princípio do contraditório, posso desafiar todas as suas assertivas. Eu com a minha e ele com a sua razão.
Nada mais que obedecer ao velho ensinamento atribuído a Voltaire (pois muitos afirmam que não é da lavra do filósofo francês), aquele mesmo estabelecido como balizamento da liberdade de expressão: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.
As palavras do Sr. Gachoud são interessantes, principalmente quando diz que o governante representa o povo e a nação. Mas não posso concordar com o Sr. Gachoud pelo fato de o governante representar somente a si próprio. As histórias dos governos e seus egoísmos parcem suficientes para tal comprovação.
Ora, o Sr. Gachoud há de compreender que nenhum governante dá a mínima importância se o povo está de panela vazia ou já não suporta a carestia dos alimentos. Do mesmo modo, para o governante, o bem da nação representa a imagem de seu governo, que outra coisa não é do cuidar apenas de si mesmo e da manutenção de seu poder.
Mas as palavras do Sr. Gachoud são deveras auspiciosas, principalmente quando afirma ser o homem a salvação do próprio homem. Contudo, não posso comungar com o Sr. Gachoud. Fosse o homem responsável pela salvação do próprio homem não teria provocado tantos malefícios ao seu presente e ao seu futuro.
Como todo respeito ao Sr. Gachoud, mas o homem é o seu próprio algoz, seu carrasco e seu juízo final. Desde que sua existência foi-lhe concedida após o ato bíblico da criação, outra coisa não fez senão destruir tudo sobre o que lança mão. Destrói a si mesmo, o que possui o outro e vai além, pois se arvora no direito de devastar a natureza e todos os bens da vida planetária.
O Sr. Gachoud insiste em afirmar e eu insisto em prestar bastante atenção. E dize-me o ilustre senhor que o futuro da humanidade é aprender com os próprios erros e daí provocar um forçado renascimento. Entretanto, mais uma vez me permito discordar do pensamento do Sr. Gachoud, principalmente porque vivemos em sociedade e não em devaneios mitológicos onde de repente tudo pode alçar diferente como num voo de Fênix.
E digo mais ao Sr. Gachoud: Como o homem tem plantado e vem semeando, outro não será o futuro da humanidade senão o caos, a nefasta e plena desordem. Os erros humanos se acumulam, as iniquidades humanas persistem, as irracionalidades vão se tornando irremediáveis. Não parece possível o renascimento no homem que elegeu a violência, a destruição, a barbárie e a desumanidade como princípios de vida. Para que surja a esperança será preciso que as cinzas devastem o mundo de agora e, sobre seus escombros, da dor talvez surja outra vida.
Mas o Sr. Gachoud é insistente. E tão persistente que apregoa estar o mundo em plena ordem com o seu tempo e que todo mal existente não é consequência de um desacerto do homem, mas do próprio mundo que vai acumulando um fardo pesado das realizações negativas passadas. E aí mais um erro do eminente senhor. Nem o mundo está em plena concordância com o seu tempo nem a desordem existente é culpa das cinzas dos anos.
Não sei se o Sr. Gachoud irá compreender, mas é fácil observar que o mundo vem em contínuo avanço, anda sempre para frente, e nesta caminhada há a oferta de meios que permitam o avanço do conhecimento, há as descobertas científicas que permitem muitas soluções para os problemas existentes, há mais liberdade e condições de ação, mas ainda assim quase nada que efetivamente melhore a vida do planeta e do homem. Os exemplos são muitos, e por todos os lugares. Aumentou o medo, a violência, a permissividade nefasta, o pecado e a ganância. Assim, a culpa de tudo não poderá recair no passado se o homem atual não se cansa de produzir seu próprio fim.
Por último, afirma o Sr. Gachoud que há um pessimismo exagerado em relação à vida e ao mundo. Neste aspecto, ouso discordar apenas em parte do nobre senhor. Realmente há pessimismo em todos os quadrantes da existência. Porém não exagerado. O negativismo existente nada mais é que reflexo daquilo que é confrontado todos os dias, em todo lugar, desde uma emergência de hospital, passando pela arrogância nas relações sociais e chegando até as imensas filas para a matrícula dos alunos.
O Sr. Gachoud também há de observar que ninguém em sã consciência irá se sentir otimista ante a corrupção desenfreada, as roubalheiras sem fim, a inflação galopante, os preços dos remédios e dos alimentos, as contas de energia que sobem todos os dias. O povo tem fome de otimismo, tem sede de otimismo, sonha com otimismo. Mas tudo se transforma ao abrir a porta e encontrar mil razões para ser pessimista.
O Sr. Gachoud não existe, é um interlocutor meramente ficcional. Mas sei que existem muitos Gachoud por aí. E para todos eu apresentaria as mesmas contestações, ainda que outros surjam para discordar de nós dois.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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