*Rangel Alves da
Costa
Digo uma
tristeza, mas é uma tristeza grande, profunda e persistente. Não há motivo
aparente, não há nada que justifique, mas ela veio e parece não querer partir.
Reconheço-me
triste pelo meu silêncio, pela minha reclusão, pelo esquecimento que exista
alegria ou contentamento. Sequer lembro-me do último sorriso ou da íntima
satisfação.
Também me
reconheço triste pelos pensamentos que se alongam sobre coisas já guardadas em
baús. A memória vai martelando sobre coisas que só chegam em momentos assim.
Não me
predisponho a ouvir qualquer música, a ler qualquer coisa interessante, ou
mesmo caminhar por aí sem destino. É uma sensação de distanciamento de tudo e
de solidão em deserto.
Mas a
tristeza não é pela solidão, pois esta é companheira inseparável desde muito
tempo. Só que agora ela chega com mais presença e me torna como inexistente
diante de minha própria presença.
Também não
são as saudades nem o passado que retorna exigindo refazimento. Não são as
angústias ou desilusões. Tudo isso já muito costumeiro a cada dia e a cada
instante.
Não perdi
um amor nem desamei para estar tão triste. Não disse adeus nem de nada me
despedi para uma tristeza assim. Talvez apenas mais uma página do Eclesiastes
em minha vida.
O Eclesiastes
anuncia a tristeza depois da alegria, como num processo inevitável. O problema
é que eu não me sentia alegre ou feliz antes que a tristeza tomasse conta de
tudo.
Resta uma
esperança nisso tudo. Talvez tamanha tristeza de agora seja antecedência a um grande
contentamento. Mas não quero que assim seja. Também não quero sofrer agora na
esperança de uma felicidade futura.
Que o
amanhã aconteça pelo próprio destino. Jamais quero viver como retribuição de
mim mesmo. O que houver de ser que seja porque tenha de ser assim, mas não por
que amanhã tudo será diferente.
Que a
tristeza permaneça se uma forçada alegria tiver de chegar. Que a tristeza se
aprofunde ainda mais se sua existência depender de um processo de troca. Jamais
esse dilema da tristeza para justificar uma desconhecida felicidade.
Só sei que
estou triste. E haverei de suportar a tristeza até que ela plenamente se
justifique. Só sei que nada fiz para que ela aparecesse. Mas veio e ficou. E
que permaneça se achar que em mim deva fixar moradia.
Hei de suportá-la
sem me extremar. Noutros tempos sim, mas já não choro, já não me jogo pelos
cantos, já não me abandono. Triste da tristeza que imaginar ser possível me
submeter até o definhamento.
Como dito,
com ela me distancio de tudo, vejo-me recluso num estranho mundo, de repente me
vejo com olhar perdido em qualquer direção, e sem nada avistar, mas jamais
abdicarei da consciência de sua existência.
Tão
consciente sou de minha tristeza que sei que ela me doma mas não me domina. Deixo
que ela me deixe assim triste, cabisbaixo, reflexivo, mas não que me coloque
diante de uma vidraça da janela e faça chover com os olhos a noite inteira.
Aliás,
aqui chove agora e a tristeza aumenta, mas não irei até a janela em busca de
fuga. Dá vontade mesmo de sair caminhando debaixo da chuva, de abrir os braços
e deixar que a nuvem desabe um mar inteiro. Mas aqui permaneço porque agora me
vem uma frase que pode resumir tudo.
E ela diz:
“Se o teu espírito ora se alimenta da tristeza, então que te contente por estar
triste assim”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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