SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

UMA TRISTEZA


*Rangel Alves da Costa


Digo uma tristeza, mas é uma tristeza grande, profunda e persistente. Não há motivo aparente, não há nada que justifique, mas ela veio e parece não querer partir.
Reconheço-me triste pelo meu silêncio, pela minha reclusão, pelo esquecimento que exista alegria ou contentamento. Sequer lembro-me do último sorriso ou da íntima satisfação.
Também me reconheço triste pelos pensamentos que se alongam sobre coisas já guardadas em baús. A memória vai martelando sobre coisas que só chegam em momentos assim.
Não me predisponho a ouvir qualquer música, a ler qualquer coisa interessante, ou mesmo caminhar por aí sem destino. É uma sensação de distanciamento de tudo e de solidão em deserto.
Mas a tristeza não é pela solidão, pois esta é companheira inseparável desde muito tempo. Só que agora ela chega com mais presença e me torna como inexistente diante de minha própria presença.
Também não são as saudades nem o passado que retorna exigindo refazimento. Não são as angústias ou desilusões. Tudo isso já muito costumeiro a cada dia e a cada instante.
Não perdi um amor nem desamei para estar tão triste. Não disse adeus nem de nada me despedi para uma tristeza assim. Talvez apenas mais uma página do Eclesiastes em minha vida.
O Eclesiastes anuncia a tristeza depois da alegria, como num processo inevitável. O problema é que eu não me sentia alegre ou feliz antes que a tristeza tomasse conta de tudo.
Resta uma esperança nisso tudo. Talvez tamanha tristeza de agora seja antecedência a um grande contentamento. Mas não quero que assim seja. Também não quero sofrer agora na esperança de uma felicidade futura.
Que o amanhã aconteça pelo próprio destino. Jamais quero viver como retribuição de mim mesmo. O que houver de ser que seja porque tenha de ser assim, mas não por que amanhã tudo será diferente.
Que a tristeza permaneça se uma forçada alegria tiver de chegar. Que a tristeza se aprofunde ainda mais se sua existência depender de um processo de troca. Jamais esse dilema da tristeza para justificar uma desconhecida felicidade.
Só sei que estou triste. E haverei de suportar a tristeza até que ela plenamente se justifique. Só sei que nada fiz para que ela aparecesse. Mas veio e ficou. E que permaneça se achar que em mim deva fixar moradia.
Hei de suportá-la sem me extremar. Noutros tempos sim, mas já não choro, já não me jogo pelos cantos, já não me abandono. Triste da tristeza que imaginar ser possível me submeter até o definhamento.
Como dito, com ela me distancio de tudo, vejo-me recluso num estranho mundo, de repente me vejo com olhar perdido em qualquer direção, e sem nada avistar, mas jamais abdicarei da consciência de sua existência.
Tão consciente sou de minha tristeza que sei que ela me doma mas não me domina. Deixo que ela me deixe assim triste, cabisbaixo, reflexivo, mas não que me coloque diante de uma vidraça da janela e faça chover com os olhos a noite inteira.
Aliás, aqui chove agora e a tristeza aumenta, mas não irei até a janela em busca de fuga. Dá vontade mesmo de sair caminhando debaixo da chuva, de abrir os braços e deixar que a nuvem desabe um mar inteiro. Mas aqui permaneço porque agora me vem uma frase que pode resumir tudo.
E ela diz: “Se o teu espírito ora se alimenta da tristeza, então que te contente por estar triste assim”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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