Rangel Alves da Costa*
Como aconteceu no Natal, os restos de ontem,
as sobras da fartura sobre a mesa na passagem do ano, agora serão oferecidos
aos pedintes, a quem passe pela porta com a mão estendida. Muitas vezes, nem
será preciso que o mendigo vá até a porta, pois tudo será embalado e levado até
as ruas para a doação. Mas que descomunal hipocrisia. Durante o ano inteiro se
negando a dar um pão, um resto de comida, uma moeda e até um copo d’água, e de
repente querer se redimir com tal ação é comprovar insensatez e incoerência
humanitária. Ora, o acolhimento, a ajuda, o apoio, o gesto bondoso, não tem
data marcada para acontecer. O mais fragilizado não deve ser visto como
necessitado apenas após a mesa farta de uma noite. O sentido da irmandade nega
a hipocrisia, a valorização do ser humano nega a predeterminação de sua
necessidade. Ademais, ninguém é pobre ou carente somente após a festança,
ninguém sente fome apenas no dia seguinte à bonança dos outros. As pessoas
precisam de ajuda e não de demagogias, as pessoas precisam de reconhecimento e
não de fingimentos. E depois do dia seguinte à ceia, depois do dia seguinte à
comilança da passagem do ano, será que depois disso tudo as pessoas carentes já
estarão devidamente saciadas? Um pão de vez em quando não diminui o café de
ninguém. E muita gente só tem esse alimento para matar a fome. Assim, que os
restos de ontem sirvam como uma lição: as pessoas pobres não comem somente duas
vezes ao ano. Necessitam, sempre, do pão de cada dia.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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