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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Palavra Solta: os restos de ontem


Rangel Alves da Costa*


Como aconteceu no Natal, os restos de ontem, as sobras da fartura sobre a mesa na passagem do ano, agora serão oferecidos aos pedintes, a quem passe pela porta com a mão estendida. Muitas vezes, nem será preciso que o mendigo vá até a porta, pois tudo será embalado e levado até as ruas para a doação. Mas que descomunal hipocrisia. Durante o ano inteiro se negando a dar um pão, um resto de comida, uma moeda e até um copo d’água, e de repente querer se redimir com tal ação é comprovar insensatez e incoerência humanitária. Ora, o acolhimento, a ajuda, o apoio, o gesto bondoso, não tem data marcada para acontecer. O mais fragilizado não deve ser visto como necessitado apenas após a mesa farta de uma noite. O sentido da irmandade nega a hipocrisia, a valorização do ser humano nega a predeterminação de sua necessidade. Ademais, ninguém é pobre ou carente somente após a festança, ninguém sente fome apenas no dia seguinte à bonança dos outros. As pessoas precisam de ajuda e não de demagogias, as pessoas precisam de reconhecimento e não de fingimentos. E depois do dia seguinte à ceia, depois do dia seguinte à comilança da passagem do ano, será que depois disso tudo as pessoas carentes já estarão devidamente saciadas? Um pão de vez em quando não diminui o café de ninguém. E muita gente só tem esse alimento para matar a fome. Assim, que os restos de ontem sirvam como uma lição: as pessoas pobres não comem somente duas vezes ao ano. Necessitam, sempre, do pão de cada dia.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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