Rangel Alves da
Costa*
Desde a
semana passada, quando tomei conhecimento da cheia - e depois de tanto tempo -
do riacho Jacaré, que logo me senti num misto de alegria e tristeza. Alegria
pelo renascimento tão pujante desse riacho que é verdadeira raiz de Nossa
Senhora da Conceição de Poço Redondo, pois o nome do município vem do seu leito
(um poço redondo onde o gado era levado para matar a sede), e tristeza por não
poder presenciar o retorno daquelas águas tão importantes na minha vida de
menino interiorano.
Estava com
viagem marcada para abraçá-lo, mas os problemas provocados pelas chuvas na
estrada acabaram adiando o tão desejado reencontro com o singelo e grandioso
riacho que passa na minha aldeia sertaneja. E hoje, ainda cedo, me chegaram
outras notícias e fotografias de mais águas se avolumando no seu leito e já
avançando sobre quintais e moradias às suas margens. Então entristeci mais
ainda ante cada retrato de um povo feliz perante o seu riacho. Que bom dizer
que o riacho Jacaré é meu, é de meu Poço Redondo, é do meu sertão, é de todo
mundo que ali tem raiz.
Numa
fotografia tirada de cima da ponte se avista a pujança de agora. Num vídeo
postado, a correnteza das águas, o caminho apressado das águas tantas. E na distância,
outra coisa não se pode fazer senão recordar os tempos idos e o quanto o
riachinho foi importante na vida de gerações que hoje estão adultas e até
envelhecidas. Porque ali, naquele leito que até quinze dias atrás estava tão
feio e devastado, havia uma magia tamanha que quem colocasse os pés nas suas
águas desejava não sair mais.
No
passado, as cheias do Jacaré costumavam chegar já noite fechada, senão em plena
madrugada. As pessoas no repouso noturno e de repente o barulho das águas
avançando, levando tudo que encontrassem pela frente, carcaças de bichos, tocos
de paus, árvores e animais. As águas vinham tão fortes, varrendo e levando
tudo, que até os chiqueiros próximos às margens eram destruídos, as cercas dos
quintais devastadas, as pedras soltas levadas também. Certa feita levou até a
ponte.
Mesmo no
meio da noite, assim que a cheia chegava grande da população seguia, mesmo
debaixo de chuva, até suas beiradas. De lanterna à mão, ainda assim pouco se
avistava em meio aquela profusão barrenta e barulhenta. Com o leito empoçado,
sujo, cheio de garranchos e coisas velhas desde as cabeceiras, aquelas
primeiras águas chegavam num amarelado quase marrom. E todo mundo sabia que
somente após duas ou três enchentes na mesma cheia é que as águas já ficavam
propícias ao banho, pois já sem as sujeiras da primeira leva.
É o que
acontece agora. O leito do riacho estava tão putrefato e cheio de lixo que foi
preciso a primeira correnteza para tudo levar adiante, mas as águas ainda
ficaram sujas. As novas correntezas que vão chegando passam limpando tudo,
preparando o leito para os banhos da meninada, como se fazia noutros tempos.
Naqueles tempos, quando de cima já se avistava as areias ao fundo, então os
banhos começavam ao alvorecer e se estendiam até o anoitecer, sendo, muitas
vezes, preciso que os pais chegassem com taca de couro ou chinelo à mão e
dizendo que ou saía dali ou ia se arrepender do dia que nasceu.
Também
naqueles tempos o riacho era outro e totalmente diferente do que se tem agora.
Hoje não há mais pedra grande, árvores frondosas no leito e pássaros cantando
ao redor. Naqueles idos, famosas eram as pedras boas de “batim”, quando o
meninote subia e se lançava em mergulho. Havia um local chamado “Poço de
Ermerindo” que era o mais famoso e concorrido. E pela profundeza também o mais
perigoso nas épocas das grandes cheias. Por todo lugar a festança da meninada e
das moças tomando banho nos escondidos, de vestido e tudo.
É desse
tempo o meu tempo. Não sei quantas vezes entrei no riacho ao amanhecer e de lá
só saía quando as sombras da noite chegavam. Providenciava comida, bebida e um
rol de amigos inesquecíveis. Jorge, Zé de Delino, Carlinhos, Doutor, Tonho Meu,
Zelito, Chiquinho e tantos outros queridos amigos. E Aelson pelos arredores
armando arapuca pra pegar passarinho. Êta tempo bom, êta vida boa meu Deus!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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