*Rangel Alves da Costa
Defronte ao agora magro caudal do São
Francisco, num alto vistoso, logo se avista a exemplar arquitetura e imponência
de um casarão que remonta os tempos imperiais, desde que o caminho pelas águas
era o único para se adentrar e desbravar os sertões. Seu construtor, como um
soberano erguendo um forte para ter diante de si toda a visão panorâmica desde
a primeira curva do rio, ali fez surgir uma história que se mantém tão viva
como intrigante.
Construído pelos idos de 1887, a arquitetura
antiga sempre se mostra mais imponente que as atuais formas arquitetônicas,
ainda que o tempo tudo faça para fragilizar suas estruturas. Os materiais
utilizados, em muitas situações, são tão resistentes que permanecem como inalterados.
Assim, mesmo que a fachada e paredes externas tenham de ser constantemente
reparadas, as estruturas continuam tão firmes quanto aqueles tempos primeiros.
Assim acontece com o Casarão da povoação ribeirinha
de Bonsucesso, no Sertão Sergipano do São Francisco, no município de Poço
Redondo. Sempre denominado de casarão pela sua grandiosa construção e pela
imponência que se destaca em meio às paisagens ribeirinhas das beiradas do
Velho Chico, entre as margens de vegetação rasteira e as matas e caatingas
sertanejas. Contudo, o que mais chama a atenção é a engenharia levada a efeito
na sua construção, pois tudo fruto de grandes e penosos sacrifícios humanos.
Em Poço Redondo, somente a Gruta do Angico
possui maior importância histórica que o Casarão do Bonsucesso. Este, fincado
desde os primórdios da colonização ribeirinha defronte ao Velho Chico, numa
parte mais elevada e de onde se avistam as águas nas suas distâncias, foi
erguido num misto de poder e mando e de submissão escravista. E assim por que o
Casarão, construído na pedra batida entre paredes largas, ainda hoje chora,
sangra, agoniza a dor escrava entre suas paredes e seus arredores.
Como pode ser ainda observado em antigas
fotografias (e recentemente chegou-me às mãos uma verdadeira relíquia fotográfica
através da amiga Quitéria Gomes), ao lado do imenso e imponente Casarão havia
outras construções para a criadagem serviçal, a senzala. Com efeito, no período
de construção do sobrado, a escravidão imperava por todos os lugares, e muitos
escravos foram trazidos para a região ribeirinha do São Francisco e gestaram
muito do que ainda se tem como obra de quase eternidade.
Os negros foram trazidos para todos os tipos
de trabalhos, desde a terra às construções. E foi assim com a grande moradia do
senhor de então daquelas margens são-franciscanas. Ora, o poder e a riqueza têm
que ser mostrar grandiosos, faustosos, imponentes, e tendo na mão escrava a
cumprimento da ordem, tudo era feito para que a opulência também fosse mostrada
através da residência senhorial. E assim foi ordenada a construção do sobrado
com paredes de verdadeira fortaleza.
Que engenharia foi levada a efeito, com
exigências verdadeiramente extravagantes. O senhor não desejava apenas a
fortaleza para morar, mas também nos cercados e muralhas circundando a
residência. Então ordenou também a construção de cercas (ou muros) de pedras. E
pedra sobre pedra, numa junção arquitetônica ao modo da exatidão no encaixe das
antigas civilizações. E não trabalho para durar meses ou anos, mas séculos, como
depois se confirmaria.
Assim, não só nas paredes do casarão (de
cerca de um metro de largura) como nas antigas cercas de pedras que corriam aos
fundos e nas laterais, tudo erguido pela mão negra, pela mão escrava, tendo
como a ordem o açoite e a obediência pelo lanho de sangue jorrando pelos lombos
e pelas mãos. E há de se imaginar aquelas mãos em tão árduo ofício e de repente
ainda tendo de suportar chibatadas em busca da perfeição.
Daí se dizer que as paredes e as cercas do
Casarão, ainda que na pedra talhada, foram todas cimentadas pelo sangue negro.
E por isso também a eterna presença escrava nesta indescritível riqueza
histórica: o Casarão de Bonsucesso. Hoje ainda tão belo e suntuoso, mas ainda
hoje também de tão triste memória pela sua dolorosa história. E uma história
para também ser sentida na alma de hoje.
E ainda lá a imponência do belo Casarão. À
sua frente as águas do Velho Chico, pelos arredores as paisagens sertanejas. E
todo um sertão em suas mais diversas feições. Há que se dizer, contudo, das
dificuldades de acesso e visitação de todos aqueles que desejem adentrar na
histórica construção. Sob ordens do atual proprietário, os cuidadores não
permitem visitas públicas. Lamentável que assim aconteça, vez que uma história
para ser vivenciada e compartilhada e não apenas avistada.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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