*Rangel Alves da Costa
Caminhando pelas ruas da cidade, cortando e
entrecortando pessoas e multidões, de repente, perante um e outro de modo
específico, eis que me ponho a pensar onde moram e como vivem. Seria simplismo
demais dizer apenas que moram em suas casas, barracos, casebres, mansões ou
apartamentos, pois o que importa mais é imaginar não o tipo de moradia de cada
um, mas a sua postura perante o seu mundo.
E assim por que as pessoas podem ser
avistadas de um jeito e possuírem um mundo totalmente diferente. Igualmente às
feições que não revelam as faces dos corações, assim também com as pessoas que
se mostram de uma forma e convivem de modo totalmente diferente. Significa
dizer que nem sempre a sorridente ou apressada que passa assim se mostra de
igual forma onde reside e perante sua comunidade. A rua é passarela de um
requinte diferenciado das portas adentro e arredores.
Instiga-me imaginar como vive aquela mocinha
tão bela que mais parece uma princesa. Será que é de família carente ou de
maior poder aquisitivo? Será que é feliz no seu dia a dia? Será que possui um
quarto só dela? Será que abre a janela e sobre ela se debruça em sonhos e
devaneios? Será que é calma junto à família, será que ajuda a limpar a casa e a
cuidar dos demais afazeres domésticos? Ou será que é uma mocinha totalmente
diferente no lar? Uma mocinha que tanto faz que sua cama esteja arrumada ou
não, que tanto faz que os seus pais lhes dirijam a palavra ou não.
E aquela mulher que caminha cabisbaixa e entristecida,
com uma roupinha qualquer, sem pintura ou luxo algum, sem relógio nem brinco na
orelha, será que reflete a mesma realidade do lar? Uma mulher de quintal, de
varal, de pano pra lavar, de panela pra desengordurar, de feijão para debulhar,
de café para pisar, de mexer comida pouca, de nunca encher de alimento prato de
estanho. Mas talvez seja diferente, pois o jeito de ser e vestir não mostra a
realidade econômica nem a condição social. Veste-se assim, na humildade e
simplicidade, apenas porque gosta de ser assim.
De canto a outro as pessoas chegam, passam,
seguem e vão embora. Logo cedo ainda se mostram dispostas, mais apressadas,
mais alegres e prestativas, para depois, já chegado o entardecer, tudo se
revirar. A lentidão, o cansaço, o semblante ríspido, o silêncio forjado, a
vontade grande de voltar pra casa. O trabalho do dia está feito, a compra do
dia está feita, o afazer do dia está feito, tudo já mais ou menos realizado
segundo as intenções ao sair da porta de casa. Mas agora é hora de retornar, de
novamente encontrar a porta e o porta, chegar. Mas que mundo é esse aonde se
chega?
Sempre se chega a um mundo próprio, pessoal, compreendido
somente pelos que nele vivem e convivem. Nas casas simples, nos casarões, nas
choupanas ou nas mansões, aí as pessoas sem disfarces e convivendo com o que
lhes é permitido viver. E tudo sempre diferente da rua, da porta da frente
adiante. O menino que fica descalço e quase nu, o homem que logo joga os
sapatos ao longe e vai se servindo de uma dose, a mulher que destampa panela a
panela para matar toda a fome. A casa arrumada ou não, cheia de móveis ou não,
um lar com suas aparências, dramas e realidades únicas.
A verdade é que as ruas mentem, fingem,
ocultam. Pelas ruas as aparências transformam as pessoas perante suas conveniências,
daí não se possível abstrair verdades apenas pelos instantâneos daqueles que
passam e que vão. Somente nas casas, dentro das quatro paredes, os disfarces
passam a dar lugar ao real em sua maior contundência. Ora, quem está triste na
rua vai chorar em casa, quem está com a roupa ou o sapato apertado vai buscar
no lar o seu tão esperado conforto. E que conforto! O simples, o nada, a nudez,
o desapego, a pessoa em si mesma e consigo mesma.
E tanto assim que no lar até a riqueza se
mostra mais simples. É também no ambiente familiar que as pessoas se despojam
mais dos orgulhos, das vaidades, das imponências. O luxo se torna simples como
uma chinela de dedo, rico ou pobre estende as pernas perante a televisão, todo
mundo tem fome, todo mundo cata o que mais gosta ou o que tiver para comer. Na
casa, há, assim, um tipo de desambição e desapego da pessoa para consigo mesma,
vez que apenas se revelando no que já é.
É esta realidade entre quatro paredes que
nunca se revela depois da porta da frente. As pessoas vivem seu mundo de
quintal, de estender roupas ou catar goiabas, vivem seu mundo de conforto, de
prato à mesa e comida farta. Ou tudo de outra forma, dependendo da parede
caindo ou do requinte. Mas em todos, indistintamente, o comum das pessoas. Ou
seja, o íntimo e pessoal que não se revelam na aparência. Já da porta adiante
há outro mundo. E muitos que se transformam para viver sua realidade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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