*Rangel Alves da Costa
Quando eu era criança não tinha medo do bicho-papão,
mas hoje, mesmo já tendo passado dos cinquenta anos, jurei por tudo na vida que
tenho o maior pavor desse bichão apavorante e comedor das noites, dos sonhos e
da inocência. Diziam que ele estava debaixo da cama e que seu não dormisse logo
ele ia me pegar. Mas eu fingia dormir e depois abria os olhos apenas para
esperar que ele aparecesse. Nunca deu cara, nunca mostrou os dentões nem as
unhas pontudas e ameaçadoras. Mas hoje é diferente, pois o tal bichão amedronta
a cada instante, e desde o amanhecer ao anoitecer. Toda vez que me chega uma
conta, logo encontro um bicho-papão no exorbitante valor. Toda vez que vou à
padaria ou à farmácia encontro um bicho-papão. Na feira e no mercadinho nem se
fala, pois o bichão sempre está prestes a engolir todo mundo. Há bicho-papão na
conta de água, de luz, no imposto que chega. Há bicho-papão no atendente
público, na autoridade de toga, no policial arrogante e sempre despreparado. Há
um bicho-papão na televisão e no noticiário de todo dia. E é tanto bichão que
aparece que mais parece uma vida de selava medonha e selvageria sem fim. O pior
é que me sinto cada vez mais desprotegido e mais próximo de suas garras. E não
há saída, não há como fugir. Ser brasileiro é viver à mercê da famigerada fome
desse algoz de todos nós.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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