*Rangel Alves da Costa
Quando estou viajando rumo ao meu sertão, as
estradas distantes se tornam como retratos que vou desvendando em suas imagens.
O que mais me chama a atenção, contudo, são as casinhas sempre de portas e
janelas fechadas.
Casas, casinhas, casebres, pequenas
construções em barro e ripa, já envelhecidas de tempo, envernizadas pelo fogo
dos dias, assemelham-se ao tudo e ao nada. Tudo na significação. Nada pelo
avistado. As portas e a janelas nunca estão abertas.
Que retrato mais desolador avistar moradias
assim. Tudo como se os seus donos não existissem mais. Tudo como se as portas
tivessem sido fechadas após o adeus do último habitante. Pessoas que partiram
para nunca mais regressar. Uma tristeza danada.
De tanto cismar com tais moradias sempre com
jeito de solitárias e abandonadas, depois de tanto meditar sobre a razão de
elas estarem sempre assim, depois fiquei sabendo de uma história mais
instigante ainda. Instigante e até incompreensível.
A história da casa sem portas. Sem portas nem
janelas, nem na parte da frente, pelos lados ou atrás. Era como se a casa
tivesse sido construída normalmente, com dependências e telhado, mas depois
simplesmente fechada por todos os lados. E não havia entrada ou saída pelo
telhado. Muito menos por debaixo do chão.
Um dia, sempre depois de demoradamente
refletir sobre essa história, eis que me encorajo para ir até o local dessa
moradia. E fui. No outro dia, mesmo com um tempo tão nublado que mais parecia
proximidade da noite, de repente me vi diante da casa.
Uma casa normal, pequena, de barro e tijolo,
já com muito tempo de construída, fato constatado pelos ocres esmaecidos do
tempo e os lanhos dos anos nas paredes. Ficava próxima à estrada, apenas alguns
passos mais afastada, já na vizinhança da mata. Um pouco mais ao lado um grande
e solitário umbuzeiro.
Dirigi-me para debaixo do umbuzeiro e fiquei
ali em pé, pensando no que fazer. De pertinho onde estava, logo percebi que as
paredes eram contínuas, sem fresta alguma, sem local algum com aparência de
porta ou janela. Que coisa mais estranha, pensei.
Resolvi dar a volta ao redor da casa inteira
e igualmente constatei não possuir qualquer porta ou janela. Ali eu estava em
busca de respostas, mas como saber de alguma coisa se não havia ninguém por
perto. Não adiantava bater à porta, pois esta inexistente. Não adiantava chamar
à janela, pois nada disso existia.
Então me veio uma coisa meio louca de fazer.
Então me aproximei mais e rente à parede da frente comecei a gritar: Tem alguém
aí? Por favor, responda, tem alguém aí dentro? Tem alguém aí dentro, tem alguém
aí? Passei uns cinco minutos nestes gestos de quase insanidade.
Certamente que não havia ninguém ali dentro.
Como entrar, como sair? Sentei-me debaixo do umbuzeiro e fiquei pensando sobre
a intencionalidade de quem a havia construído assim, sem portas e janelas. Qual
o objetivo dessa pessoa em apenas construir, fechar tudo e depois abandonar?
Quanto pobres somos nós em pensamentos. Em
tudo há uma razão de ser. As portas e janelas podem estar ausentes nas casas e
também nas pessoas. Pessoas existem que não deixam sequer entrar uma luz de sol
pelas suas frestas. Pessoas existem que se fecham em si mesmas e não admitem
que ninguém bata à porta de seu coração.
Aquela casinha talvez tivesse sido construída
apenas como um santuário de recordação. Quem a ergueu tinha muito mais a guardar
ali dentro que a utilizar como moradia. Por isso mesmo que talvez ali dentro as
recordações familiares, os baús da memória, as vozes e os suores familiares desde
os primeiros tempos. Ali dentro as folhagens da árvore de vidas que não
poderiam ser levadas pela ventania dos tempos: nomes e sobrenomes, de pais,
avôs, bisavôs, filhos, irmãos...
Tudo, porém, apenas hipóteses no meu
pensamento. Então levantei para retornar sem as respostas conclusivas que tanto
esperava. Mais uma vez olhei a casa de cima abaixo, fiz um gesto de despedida,
caminhei entristecido. Alguns passos adiante, eis que ouço e sinto algo muito
estranho acontecer.
Saído como de dentro da casa, pelos ares
subia um cheiro forte de café no fogão. Cheiro de toucinho assado, um aroma de
cuscuz no ponto. E vozes e vozes. “Não saia pra fora menino, pois já vai
serenar”. “Debulhe logo esse feijão de corda”. “Encha a quartinha de água e
depois leva pro umbral da janela”.
Olhei. Entristeci ainda mais. Chorei. Ali
dentro, na casa fechada, as memórias familiares que jamais seriam perdidas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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