*Rangel Alves da Costa
Rente ao copo já esvaziado, como em estado de
sonolência pela bebida, estendeu os braços descarnados e pelancudos sobre a
mesa e depois deitou a cabeça sobre eles. “Está chorando?”. Foi a pergunta
feita e não respondida.
Mas não estava chorando. Ou talvez estivesse
intimamente chorando. E quando o choro é por dentro, não há nada mais doloroso
que um pranto assim. Com a cabeça deitada sobre os braços, sequer se dava conta
de estar num bordel entre bêbados, prostitutas e aventureiros.
Mas ela era o próprio bordel, confundia-se
com o próprio bordel, com o cabaré, com a casa de meretrício. Desde novinha que
ali colocou os pés para não mais sair. Não que gostasse de viver assim, mas
pelo viver assim que já estava entranhado pelo seu corpo e vida.
Agora ali com o copo vazio, a cabeça derreada
sobre a mesa, quase esquecida por todos. Naquela idade, já passada dos
sessenta, dificilmente apareceria algum cliente. No cabaré, ter mais de
sessenta anos já é velhice demais.
Ao seu redor, as luzes piscando, a
vermelhidão do ambiente, os cheiros de bebida e de perfume barato, as palavras
soltas como desbragadas, o vai e vem das mulheres à procura de machos, os
olhares dos machos em busca de corpos em menor decadência. Coisa difícil de
encontrar.
E ela continuava ali por teimosia. Com nenhum
tostão retornava depois de um dia inteiro como mulher de bordel, como rapariga
de cabaré. Apenas uma e outra colega de sina, de vez em quando lhe dava algum
dinheiro quase como esmola. Permanecia ali muito mais pela bebida.
Dificilmente lhe negavam um trago. Cachaça
batizada, rum da pior qualidade, uma cerveja de vez em quando. Assim também com
o cigarro. Quando tinha, fumava um após o outro. E sentava à mesa como uma dama
de vermelho à espera de um príncipe.
Já não podia manter qualquer vaidade. Os
tempos agora eram difíceis demais para qualquer vaidade. Uma roupa qualquer, um
chinelo qualquer. Mas de algumas coisas não desapartava: o batom vermelho
descuidadamente além dos lábios, pó entre o claro e o avermelhado sobre o rosto
enrugado, perfume de feira lançado no corpo. Com a bebida e o cigarro, o
perfume se tornava de terrível odor.
Música alta, um frenético entra e sai, copos
trincando nas mesas, um cheiro detestável de suor e perfume adocicado, um aroma
repugnante de sexo encardido, fumaça subindo aos ares. “Vamos namorar, meu
gostoso?”, perguntava uma. “Hoje faço tudo e baratinho”, dizia outra.
E ela com a cabeça encurvada sobre os braços,
ali na mesa, no meio do tudo. Mas não ouvia sequer a música: “Perfume de
gardênia tem em tua boca, eu vivo embriagado na luz do teu olhar. Teu riso é
uma rima de amor e poesia, macios teus cabelos, qual ondas sobre o mar...”. Não
ouviria qualquer música, qualquer tango ou bolero, apenas os gritos da alma.
Seu pensamento estava distante. E por isso
chorava tanto por dentro, soluçava tanto por dentro. Sua mãe gritava para não
ir brincar muito longe. Sua boneca de pano parecia sorrir quando chegava
carregando um pente. Nua tomava banho pelo quintal em dias de chuvarada. E como
era bela.
Menina bela se fez e depois mocinha. Nem teve
tempo de namorar. Um dia, o filho do patrão de seu pai puxou-lhe pela roupa e
lançou-a em cama de capim. Sangrou por fora e por dentro. Mas o pior
aconteceria depois.
Contou aos pais sobre o abuso sofrido e foi
mandada embora de casa. Saiu com o que tinha num saco e para nunca mais voltar.
E pelas estradas a sina mais triste que poderia lhe acenar. Tão bela e servindo
de objeto sexual a um e outro.
Agora era somente uma velha. Depois de ser
puta de estrada e de todos os cabarés do mundo, agora era somente uma puta
velha. Ou puta véia, como sempre diziam. E assim estava debruçada sobre a mesa
de cabaré. Estranho que assim permanecesse por tanto tempo.
Bateram-lhe ao ombro. Chamaram e chamaram.
Tarde demais. Agora a morte perfumada de coisas velhas, fétidas, repugnantes.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário