*Rangel Alves da Costa
Não sei por que, mas ando pressentindo a
existência de carcarás por todo lugar. Sim, carcarás mesmo, aquelas aves de
rapina, da família dos falcões, de bico grande a afiado, cujas aparências
parecem mais as de um gavião, mas em voos assemelham-se bem mais a urubus. E
extremamente perigosos, pois oportunistas, comem de tudo, principalmente os
animais moribundos ou de fraqueza tamanha que não possam se defender. Sim, pressinto
a existência desses rapinantes por todo lugar. Mas será que são carcarás mesmo?
Ando com problema de visão, só pode ser. Meus
olhos estão confundindo demais o que avista. Vi um carcará na entrada de uma
loja, vi um carcará no balcão da farmácia, vi um carcará na fila do banco. E o
pior, vejo os rapinantes nos prédios públicos, nos fóruns, nas antessalas dos
poderes, nas feiras, nos mercadinhos, nas padarias, nas mercearias, nas
televisões e jornais. Não sei o que fazem nestes locais, também não sei o que
pretendem com aqueles bicos afiados, olhos raivosos, garras prontas para o
ataque. O medo é quando cisma de levantar voo. Coitados de suas vítimas.
Mas talvez não seja problema exclusivo meu,
pois andei sabendo que outras pessoas também têm avistado carcarás por todo
lugar. Em Brasília, segundo dizem, há uma infestação sem precedentes não só de
carcarás como de outros bichos carnicentos, devoradores de tudo. Raposas,
gaviões, urubus, lobos, hienas. As hienas causam um verdadeiro espanto. Nos
endereços dos poderes, nos corredores e gabinetes, e as hienas em terríveis
gargalhadas enquanto devoram suas presas. Quanto mais castigam, quanto mais
devoram, mais soltam estupendas gargalhadas. Coitadas de suas vítimas. Quem
serão elas?
Dizem até que os céus de Brasília, ao invés
dos aviões dos engravatados, está totalmente tomado por estranhas aves, e todas
carnicentas, todas de bico afiado e desmedida ferocidade. Falam principalmente
de uns estranhos urubus que nem esperam suas presas ficarem enfraquecidas ou
moribundas. Cuidam logo de atacar e de forma bastante estranha. Avançam nos
bolsos, rasgam roupas, deixam suas vítimas em frangalhos. Depois disso, quando
as vítimas já se mostram na feição mais deprimente da pobreza e da desvalia,
então lançam seus bicos pontudos para definhar o que resta. Coitadas dessas
vítimas de urubus. Quem serão elas?
Foi-se o tempo em que os carnicentos atacavam
somente ante as fraquezas e as desvalias. Foi-se o dia em que os devoradores
planavam em voo em busca de borregos novos, de bicho caído pela fome e sede, de
animal estirado esperando a morte, ou mesmo daqueles que já haviam dado seu
último suspiro. Então chegavam com seus rasantes e abocanhavam tudo, furando
olhos, sangrando pescoços, destrinchando até restarem somente os ossos. Um
mundo de mortes e podridões, uma vida onde o mais fraco servia apenas como
regabofe para as voracidades sem fim.
Tudo isso ainda existe, mas com outra
roupagem, novos meios de ação e também com outros carnicentos. Multiplicou-se
em muito o número e as formas dos rapinantes. E ganharam também outras
designações. Ao invés de apenas rapinantes, o nome de surrupiadores,
predadores, depenadores, devoradores, ladrões, corruptos, desonestos,
esfomeados, políticos e governantes. Políticos e governantes, mas por quê? A
resposta é até óbvia. Todos são lobos, são hienas, são carnicentos. Enfraquecem
o povo, submetem a população, devoram a sobrevivência de todo mundo. E ainda se
nutre dos restos desse mesmo povo que tanto escraviza e devora.
O problema é que se torna difícil demais se
livrar desses carnicentos. O carcará, por exemplo, impossível de ser afastado,
pois, como dito, está em todo lugar, e ora na forma de carcará mesmo, ora na
forma de gavião ou de urubu. Outro dia, numa fila de uma repartição pública para
ser atendido, eis que a funcionária aparece toda em lentidão, bocejante, mas ao
se aproximar da vidraça do atendimento já estava transfigurada numa selvageria
terrível, com uma arrogância tamanha que a pessoa até teme ser devorado. Mas
não muito diferente do que ocorre no atendimento em delegacias, hospitais e
postos de saúde, repartições públicas e onde houver um carcará querendo se
arvorar de dono do mundo.
Mas a verdade que carcará é bicho difícil de
lidar. É sempre perigoso demais, principalmente quando perante o que está só no
couro e no osso ou sem força nenhuma de reação. Então ele ataca mesmo, sem
pena, sem trégua, num esfomeamento danado. E faz lembrar a música de João do
Vale: “Carcará é malvado, é valentão, é a águia de lá do meu sertão. Os burrego
novinho num pode andar. Ele puxa o umbigo inté matar. Carcará, pega, mata e
come...”.
Por todo lugar, seja na capital ou no sertão,
seja em Aracaju ou em Brasília, carcará pega, mata e come. Por isso tanto medo
do bicho. Um medo que só será reparado quando o carnicento for enfrentado na
coragem e na valentia. Sabido é que diferente do que se imagina, todo
carnicento é medroso demais. E não há medo maior do que perder o poder, o
mandado, a governança. Então chegará o tempo certo de pegar tudo o que for carcará
e dar o merecido troco. Pegar, derrotar e cuspir nos seus restos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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