*Rangel Alves da Costa
Não nasci nem morei algum tempo na roça. Mas
de roça eu conheço pelo meu próprio berço de nascimento: Nossa Senhora da
Conceição de Poço Redondo, nas lonjuras do sertão sergipano. No sertão, da
cidade adiante, pelos arredores, tudo é roça.
Roças que se estendem pelas beiradas das
estradas, cortando veredas, adentrando a caatinga. Roças maiores, roças
menores, casinhas, casebres, casas de tijolo e barro, currais, chiqueiros,
terreiros de galinhas, pastagens para a sobrevivência dos bichos.
As roças, ou o viver em propriedades
interioranas - ou mesmo em fazendas, como costumeiramente se chama -, possuem
um cheiro próprio. Não só o cheiro de mato, da terra sertão, mas um aroma tão
próprio quanto suas paisagens. Cheiro de bicho misturado ao estrume. Cheiro de
curral e de boi berrando.
Também o cheiro do barrufo subindo após a
primeira chuva forte caída. Cheiro de sequidão, de fogaréu tomando tudo,
alastrando calor e mormaço pelas suas distâncias. Mas também o cheiro da panela
no fogo e o que o de comer de cada dia passa a exalar. E que cheiro de
amanhecer: o perfume bom do mato em flor.
A paisagem da roça sempre traduz o clima da
região. Às vezes, tudo é avistado vicejando, verdejante, numa moldura que tanta
alegria causa aos olhos e ao coração. Noutras vezes, apenas a terra
esturricada, as plantas entristecidas, os bichos magros gemendo suas fomes e
sedes.
Mas não há como desejar que tudo de repente
se transforme. O sertão é assim mesmo. Algum tempo de chuva e até muitos anos
sem cair sequer um pingo d’água. E tudo isso fica bem demonstrado na feição de
cada roça e até de seu humilde e singelo habitante. A feição sertaneja vai se
modificando segundo o tempo lá fora e mais adiante.
Ora, o homem da roça, ainda que viva num
mundo que tanta ama, vive entremeado de alegrias e sofrimentos. Entristece
demais quando a seca aperta e sequer sabe o que fazer para dar água e alimentar
seu rebanho. Mas também um sorridente e cheio de contentamento se a invernada
foi boa e o seu mundo retomou o verdor molhado.
De qualquer modo, relembrar a roça é trazer à
memória o cesto de palma, a porteira rangendo do curral, os estrumes tomando os
solados, os berros e os mugidos, o voo dos passarinhos ao entardecer. Recordar
a roça é rebuscar o sabor do leite quente tirado do peito da vaca naquele
momento e derramado em prato de estanho já com tiquinho de farinha.
Recordar a roça é ter na memória o mandacaru,
o xiquexique, a palma, a jurubeba. É relembrar as veredas espinhentas, as
estradas empoeiradas, os caminhos que vão se encurvando e se espalhando. É em
pensamento avistar a tem-tem guardiã, a galinha ciscando pelo quintal, o
cachorro correndo por dentro dos tufos de mato.
Recordar a roça é sentir o cheiro do cuscuz
ralado ainda no escurecido alvorecer. É se envolver pelo aroma do café torrado
e peneirado em quintal, então fumegando por cima do fogão de lenha. É ouvir o
chiado da banha de porco na frigideira e o cheiro forte da tripa de porco, do
toucinho, do bucho, do pedaço de carne de sol.
Recordar a roça é mesmo na distância ouvir o
vaqueiro cuidando de seu rebanho, vaqueirando seu bicho de pasto e curral,
ecoando seus aboios e toadas para alegria das vastidões. É avistar o suor da
luta, o cansaço do animal, a roupa vaqueira sendo pendurada pelos cantos da
casa. O gibão, a perneira, a sela, o estribo, tudo.
Contudo, verdadeiramente recordar o sertão é
jamais desapartar de seus clarões do dia ou da noite. Ter a lua grande, bonita,
imensa, de dourado brilhoso, espalhando seus fulgores e canções pelas noites
tão singelas e cativantes. Mas também o sol raivoso, voraz, cheio de queimor e
abrasamento. E entre as duas luzes, a brandura do amanhecer e do entardecer. Em
momentos assim, as roças e os sertões se transformam totalmente. Tornam-se
apenas poesias.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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