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domingo, 11 de fevereiro de 2018

O PAÍS DO CARNAVAL


*Rangel Alves da Costa


O País do Carnaval é o título de um livro de Jorge Amado. Publicado em 1931, considerado o primeiro romance da obra amadiana, retrata criticamente a realidade brasileira, servindo de pano de fundo a discussões acerca da alienação do povo brasileiro ante as festividades e os arroubos, deixando de lado preocupações maiores para submergir em delírios e euforias.
Na obra de Jorge Amado avista-se ainda uma contundente crítica social e política. Em meio à realidade de incertezas e negações, pouco se faz para tratar com seriedade os problemas que afligem as nefastas estruturas políticas e sociais. Não há enfrentamento condizente com as crises nem demonstração de vontade na busca de solução para os problemas. Quer dizer, tudo como numa grande festa onde a farsa toma o lugar da dolorosa realidade.
Jorge Amado mostra um Brasil ocultado sob máscaras. Os olhos que a tudo veem, não fazem transparecer as irresignações nem os espantos. De resto, as faces agonizantes continuam escondidas em dissimulações e disfarces. É como se adiante tudo acontecesse e a covardia, sempre passiva e inoperante, fizesse de conta que é da normalidade da vida que os ratos tomem o lugar dos homens.
Desde a publicação da obra, já se passaram, pois, oitenta e sete anos, quase um século entre o surgimento do livro - que mais tarde foi tido como subversivo e queimado em praça pública - e os dias atuais. O que se tem, contudo, é como se o contexto da obra amadiana apenas fosse sendo atualizada segundo os anos, vez que o enredo de fundo continua o mesmo: um país do carnaval, mas que também pode ser chamado de país da passividade, das máscaras, dos festins, da brincadeira e de brincadeira.
O título da obra é mais que apropriada. O Brasil é, verdadeiramente, um país de carnaval e do carnaval. E assim tanto na festa popular como no festim político-institucional. Não há como fugir desse carnaval que tanto contagia como submete. Não há como se manter afastado dessa festa de todo dia que faz o povo usar máscaras perante as tristes realidades. Como num grande salão momesco, o que importa é a fantasia e não os frangalhos interiores daquele que a está vestindo.
Um país de carnaval desde o primeiro ao último dia do ano. Tudo é brincadeira, tudo é farra, é fantasia, é ilusão. Ao menos assim a política e os políticos, governantes e poderosos, cuidam de fazer transparecer. E ao menos assim, grande parte da população vai acatando tudo o que lhe jogado como confete e serpentina. Ao invés de parar a festa e exigir respeito, é o próprio povo que vai deixando que o festim maquiavélico e lamacento não tenha mais fim. O povo, sempre na ilusão, vai sambando na chibatada, vai dançando no açoite, vai se contagiando cada vez mais com cada ferroada que recebe.
Daí que o carnaval do calendário é apenas a confirmação do afastamento do povo de suas responsabilidades. Na desculpa da festa e do feriado prolongado, então se esquece de tudo e transmuda-se em pleno esquecimento do ontem. Quem, em pleno período carnavalesco, irá reclamar do aumento diário da gasolina, do gás de cozinha, do remédio, do pão, da tarifa disso e daquilo, dos abusos cometidos em cada conta recebida? Quem, em meio à folia e à bebida, irá mostrar irresignação contra a reforma trabalhista, contra a reforma previdenciária quem vem por aí e contra a deputada maculada que o governo insiste em tornar ministra?
Quem? Ora, ninguém. Os dias de carnaval são todos os dias. O Brasil é o país da festa e do esquecimento. O Brasil é o país do tanto faz, da brincadeira, da falta de seriedade. Todo mundo se diz ressentido de momento, mas no instante seguinte já está quieto, calado, passivamente aceitando tudo. O Brasil é o país das máscaras, dos arlequins e das colombinas, dos palhaços e dos foliões hipnotizados. O Brasil é o país de um povo que aceitou dançar segundo a música, e por isso mesmo o que é imposto é sempre aceito. Lamentável que assim aconteça, mas difícil negar quando a realidade nada diz ao contrário.
Vive-se, assim, mergulhado em eterno carnaval. O carnaval dos cabides de emprego, o carnaval dos cargos comissionados, o carnaval das ilicitudes, o carnaval da farra com o dinheiro público, o carnaval da roubalheira, o carnaval da corrupção, o carnaval das improbidades administrativas, o carnaval da política e dos políticos. E o povo apenas dança. E dança tão festiva e alegremente que parece nem sentir que está sendo pisoteado pela sola dos sapatos daqueles foliões graúdos e que rufam seus maquiavélicos tambores lá de cima.
Mas é carnaval. Outro carnaval dentro de outros tantos carnavais. A festança do ano inteiro parece dar uma pausa para outra folia. É nestes dias que ocorre a folia do esquecimento, da fuga da realidade, da mudez. É a folia do contentamento. Dias em que o país transborda em maravilhas, que não há crise, que não há nada de ruim escravizando a população. E por isso mesmo a festa da aceitação para que o país continue assim, não apenas do carnaval, mas também do esquecimento.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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