*Rangel Alves da Costa
O País do Carnaval é o título de um livro de
Jorge Amado. Publicado em 1931, considerado o primeiro romance da obra amadiana,
retrata criticamente a realidade brasileira, servindo de pano de fundo a
discussões acerca da alienação do povo brasileiro ante as festividades e os
arroubos, deixando de lado preocupações maiores para submergir em delírios e
euforias.
Na obra de Jorge Amado avista-se ainda uma
contundente crítica social e política. Em meio à realidade de incertezas e
negações, pouco se faz para tratar com seriedade os problemas que afligem as
nefastas estruturas políticas e sociais. Não há enfrentamento condizente com as
crises nem demonstração de vontade na busca de solução para os problemas. Quer
dizer, tudo como numa grande festa onde a farsa toma o lugar da dolorosa
realidade.
Jorge Amado mostra um Brasil ocultado sob
máscaras. Os olhos que a tudo veem, não fazem transparecer as irresignações nem
os espantos. De resto, as faces agonizantes continuam escondidas em
dissimulações e disfarces. É como se adiante tudo acontecesse e a covardia, sempre
passiva e inoperante, fizesse de conta que é da normalidade da vida que os
ratos tomem o lugar dos homens.
Desde a publicação da obra, já se passaram,
pois, oitenta e sete anos, quase um século entre o surgimento do livro - que
mais tarde foi tido como subversivo e queimado em praça pública - e os dias
atuais. O que se tem, contudo, é como se o contexto da obra amadiana apenas
fosse sendo atualizada segundo os anos, vez que o enredo de fundo continua o
mesmo: um país do carnaval, mas que também pode ser chamado de país da
passividade, das máscaras, dos festins, da brincadeira e de brincadeira.
O título da obra é mais que apropriada. O
Brasil é, verdadeiramente, um país de carnaval e do carnaval. E assim tanto na
festa popular como no festim político-institucional. Não há como fugir desse
carnaval que tanto contagia como submete. Não há como se manter afastado dessa
festa de todo dia que faz o povo usar máscaras perante as tristes realidades.
Como num grande salão momesco, o que importa é a fantasia e não os frangalhos
interiores daquele que a está vestindo.
Um país de carnaval desde o primeiro ao
último dia do ano. Tudo é brincadeira, tudo é farra, é fantasia, é ilusão. Ao
menos assim a política e os políticos, governantes e poderosos, cuidam de fazer
transparecer. E ao menos assim, grande parte da população vai acatando tudo o
que lhe jogado como confete e serpentina. Ao invés de parar a festa e exigir
respeito, é o próprio povo que vai deixando que o festim maquiavélico e
lamacento não tenha mais fim. O povo, sempre na ilusão, vai sambando na
chibatada, vai dançando no açoite, vai se contagiando cada vez mais com cada
ferroada que recebe.
Daí que o carnaval do calendário é apenas a
confirmação do afastamento do povo de suas responsabilidades. Na desculpa da
festa e do feriado prolongado, então se esquece de tudo e transmuda-se em pleno
esquecimento do ontem. Quem, em pleno período carnavalesco, irá reclamar do
aumento diário da gasolina, do gás de cozinha, do remédio, do pão, da tarifa
disso e daquilo, dos abusos cometidos em cada conta recebida? Quem, em meio à
folia e à bebida, irá mostrar irresignação contra a reforma trabalhista, contra
a reforma previdenciária quem vem por aí e contra a deputada maculada que o
governo insiste em tornar ministra?
Quem? Ora, ninguém. Os dias de carnaval são
todos os dias. O Brasil é o país da festa e do esquecimento. O Brasil é o país
do tanto faz, da brincadeira, da falta de seriedade. Todo mundo se diz
ressentido de momento, mas no instante seguinte já está quieto, calado,
passivamente aceitando tudo. O Brasil é o país das máscaras, dos arlequins e
das colombinas, dos palhaços e dos foliões hipnotizados. O Brasil é o país de
um povo que aceitou dançar segundo a música, e por isso mesmo o que é imposto é
sempre aceito. Lamentável que assim aconteça, mas difícil negar quando a
realidade nada diz ao contrário.
Vive-se, assim, mergulhado em eterno
carnaval. O carnaval dos cabides de emprego, o carnaval dos cargos
comissionados, o carnaval das ilicitudes, o carnaval da farra com o dinheiro
público, o carnaval da roubalheira, o carnaval da corrupção, o carnaval das
improbidades administrativas, o carnaval da política e dos políticos. E o povo
apenas dança. E dança tão festiva e alegremente que parece nem sentir que está
sendo pisoteado pela sola dos sapatos daqueles foliões graúdos e que rufam seus
maquiavélicos tambores lá de cima.
Mas é carnaval. Outro carnaval dentro de outros
tantos carnavais. A festança do ano inteiro parece dar uma pausa para outra
folia. É nestes dias que ocorre a folia do esquecimento, da fuga da realidade,
da mudez. É a folia do contentamento. Dias em que o país transborda em
maravilhas, que não há crise, que não há nada de ruim escravizando a população.
E por isso mesmo a festa da aceitação para que o país continue assim, não
apenas do carnaval, mas também do esquecimento.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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