*Rangel Alves da Costa
A mata fervilha. Em meio aos carrascais
sertanejos, os bichos parecem conhecer aquelas botinas que lentamente cortam
seu chão. Os bichos, talvez amedrontados, abrem passagem à outra fera: o
matador.
Jagunço, assassino de paga, pistoleiro de
mando, voraz matador, desalmado capanga, pistoleiro feroz, bandoleiro a sangue
frio, a bestialidade em pessoa. Ou, para muitos, o pior dos cascavéis
sertanejos: aquele que faz tocaia ou emboscada e faz do rifle sua arma de fim
de tudo.
Os bichos tinham razão em temer a passagem do
desalmado. Boa coisa ele não ia fazer. Caminhando assim por dentro do mato,
como que rastejando sua presa, já de rifle à mão, certamente logo daria o bote
certeiro. Mas contra quem daquela vez?
Qualquer um poderia ser vítima daquela sanha
assassina. No mundo sertanejo, qualquer inimigo ou desafeto do patrão, do
coronel ou do mandante, poderia ser derrubado pela cuspida certeira daquele
desalmado cascavel.
Cascavel por que uma das peçonhentas mais temidas
das caatingas, dos tufos de matos e das distâncias de mataria. Ao invés de
balançar o chocalho do rabo antes do ataque feroz, aquele cascavel mirava sua
vítima, ajeitava o cano da arma, firmava sua mão no gatilho, e lançava seu
bote.
A cada bote dado um ser desvalido. A cada
bote cuspido do rifle, da arma de língua de fogo, era como se não houvesse mais
salvação para nada. Muitas vezes, bastava um tiro, um disparo apenas, e o
baleado já caia estrebuchando. E em meio a uma poça de sangue, a espera somente
das aves carnicentas.
Um mundo de cascavéis perigosos era aqueles
sertões. Cascavéis empunhando armas tão poderosas quanto as iras lançadas pelos
senhores do poder. Cascavéis a serviço do mal, da maldade, do cruel comprazimento
em ceifar vidas pelas estradas, pelos escondidos, nas curvas dos caminhos, nas passagens
costumeiras.
Cascáveis cuspindo fogo e abrasados até os
dentes. Uma gente tão desumana que sequer queria saber a motivação daquele que
iria morrer por meio de seu bote certeiro. Apenas tocaiar, apenas emboscar,
apenas matar e pronto. O trabalho estava feito. A paga? Um vintém de nada.
Vintém de nada por que muitos dos jagunços,
capangas e matadores, já viviam escravizados nas mãos de seus poderosos patrões
ou coronéis sertanejos. Cometiam crimes, buscavam proteção nas varandas dos
latifúndios, e então se tornavam como que objetos de mando. Bastava haver uma
disputa ou desavença entre poderosos, ou mesmo entre um poderoso e um
zé-ninguém, para que os cascavéis fossem chamados ao bote.
Na maioria das vezes, bater à porta do
coronel e pedir abrigo e proteção era sentenciar seu destino. Dali não sairia
mais de jeito nenhum. Passava a guardar segredos que jamais poderia revelar, e
bastava pensar em sair para ser cuspido de fogo por outros cascavéis.
Uma escravização da morte, pois daí em diante
serviriam apenas para apertar gatilhos, para cuspir fogo e cortar orelhas ou
dedos como provas do serviço feito. Não havia outra sina: matar, matar e matar.
Na tocaia, no escondido do mato, poderiam esperar horas ou dias, mas só
retornavam depois da cuspida de fogo.
Jagunços, assassinos e cascavéis. Tudo numa
só maldade. O homem bicho, o homem peçonhento, o homem sanguinário, o homem
carregando consigo o veneno letal. Todo o veneno no rifle. Na ponta da arma
aquele olhar traiçoeiro de cascavel, no cano da arma os dentes afiados da
peçonhenta. E bastava o bote.
Assim a vida nos carrascais sertanejos, num
chão manchado de sangue e envenenado por homens desalmados. Quando as peçonhentas
furtivas se ajeitam entre os tufos à espera de vítima, ali a certeza de mais
uma morte de tocaia que logo acontecerá. Ali o matador ajeitando a mira, o
cascavel preparando o seu bote.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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