*Rangel Alves da
Costa*
Já final
de outono, paisagem desoladora, folhas ressequidas, tons lancinantes,
entristecimentos. Quase todas as folhas já haviam desfalecido e levadas pela
ventania, ou simplesmente caído no chão de leito ocre, marrom, acinzentado. Sem
cor.
As árvores
nuas choravam suas ausências. Mas a mesma dor da perda de toda estação. As
folhas que ainda restavam dependuradas davam seus últimos suspiros. Frágeis
demais, sem mais seiva alguma nas veias, sentiam-se estalando até no sopro da
brisa.
Uma árvore
onde só restava uma folha, já conhecendo que naquele mesmo dia ficaria
totalmente despida, tomou coragem e falou: Minha querida folha, eis que nosso
tempo é curto aqui na terra. Nas mãos do homem não durarei muito tempo. E você,
tão jovem, e tendo de partir ao entardecer de hoje.
A folha
estava fraca demais para expressar qualquer sentimento ou demonstrar reação. E
por isso mesmo foi buscar, lá no fundo da alma, um restinho de força para
perguntar por que partiria ao entardecer daquele dia. Foi quando a árvore
respondeu que o vento passaria ali para levá-la bem alto, juntinho às portas do
jardim do céu. Só isso.
A árvore
viu a folhinha chorar pela última vez. Neste momento nem pensou duas vezes em
proporcionar-lhe um pouco de força nos seus últimos instantes. E avisou-lhe que
antes de partir teria seiva suficiente para conversar tudo que quisesse com o
vento. Se o seu argumento fosse bom, talvez ele nem a levasse consigo naquele
dia.
E, por
dentro do tronco, adentrando as galhagens e chegando até o seu corpo esquálido
e quebradiço, fez chegar o tanto suficiente de seiva que durasse até os últimos
raios avermelhados do entardecer. Sabia que este era o momento de o vento, tal
qual trem na estação, apitar e partir. Era assim, todo outono e o trem da
estação chegava para as tristes partidas.
Sem saber
o que a árvore havia providenciado, ao receber a seiva a folha ficou espantada
com a súbita energia que se viu tomada. Sentiu até encorajamento para gritar;
cantaria uma ária se houvesse ali outra folha para ouvi-la. O corpo
enrijeceu-se, ganhou outra cor no semblante, os olhos brilharam e começou a
enxergar melhor. E assim pôde ver quando o vento se aproximava.
Percebeu
que era o vento do entardecer que vinha chegando por causa das árvores agitadas
e de folhas e restos de folhas esvoaçando pelo ar. Sentiu arrepios, uma frieza
por todo o corpo. Fechou os olhos e orou. Despediu-se dessa vida sem querer
partir. Ao abrir os olhos viu a face do vento à sua frente.
O vento
era bonito, porém parecia cansado e tristonho. Daí que seu rosto quase não se
movia, não se agitava como todo vento faz. Com os olhos fixos naquela que
levaria naquele momento, espalhou uma leve e perfumada aragem pela boca ao
dizer: Está pronta para partir? A folha não conseguiu responder. Não queria
partir de jeito nenhum. E se perguntou por dentro: Por que toda folha tem de
morrer no outono?
Sentindo
que ela não respondia, e entendendo muito bem os motivos daquele silêncio, o
vento continuou a falar: Consigo enxergar sua dor e seus sentimentos. Mil
lenços não enxugariam as lágrimas que chora por dentro. Também choro por dentro
quando faço assim, quando levo pelo ar essas sombras do outono. E choraria
muito mais se não soubesse que para vocês, talvez para todos os seres, a
partida não significa morrer completamente.
A folha,
gélida, continuava em silêncio. Mas o vento continuou: Com a partida, a chegada
de outras vidas; com a morte, a ressurreição. Há um renascimento em tudo. Não
demorará muito e novas folhas nascerão aqui mesmo nesta árvore. E no outono
seguinte também terão de partir. Mas vou lhe contar um segredo que nunca
revelei a ninguém.
Fale,
fale. A folha conseguiu dizer. E ouviu: As folhas que levo simplesmente ficam
espalhadas pelo ar. Depois não sei o destino que tomam. Mas com você farei
diferente. Conheço um caminho onde as folhas entram novamente na fila para
retornar já na próxima estação. E assim você poderá partir agora e depois
voltar para o mesmo lugar. Aceita?
A folhinha
jogou-se aos braços do vento, feliz e contente porque retornaria ao mesmo
lugar. E o vento soprou forte, rumando sem destino. Estava desnorteado,
angustiado demais, gritando e chorando por dentro. Havia mentido para a
folhinha. Não haveria retorno, senão noutra folha, noutra vida.
Eis que as
folhas simplesmente morrem no outono. As folhas também morrem. Também.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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