*Rangel Alves da Costa
Coloquei a cadeira. Esperei. Ninguém chegou.
A cadeira já estava lá - como sempre está logo adiante da minha -, a espera
também. E esperei e esperei, e novamente ninguém chegou.
Os tempos nunca foram assim. Nunca houve
tanta solidão, desalento, distância de tudo. É como se o mundo já estivesse
completamente vazio e todos os amigos e conhecidos já não existindo mais.
Nas e entardeceres, quando o mormaço do dia
começava a dar lugar a uma leve e refrescante aragem, eu sempre ouvia o portão
sendo aberto e os passos caminhando na direção deste agora solitário recanto de
proseado.
Era como um relógio sempre despertando na
hora certa. Não apenas um, mas vários amigos chegando e ficando até perto da
boca da noite. E quantas memórias, quantas relembranças, quantos achados
perdidos.
Nostalgias e velhos baús reabertos, álbuns
amarelados sendo revistados pela memória. Enquanto um relembrava um tempo de
cafés em balcão, outro recordava o entregador de leite ao amanhecer. Pomares
nos quintais, janelas abertas, ruas para caminhar. Tudo isso a cada reencontro.
Relembrar os cavaleiros de antigamente e seus
impecáveis ternos de linho branco. As donzelas prometidas em casamento e
compromissadas em noivado. Os namoros na presença dos pais, em cadeiras juntas
e sem poder sequer tocar a mão sobre a perna da amada.
Instantes tão vastos e grandiosos, tão
nostálgicos e até melancólicos, que muitas vezes as lágrimas brotavam de algum
olhar. Depois tudo sumia nas novas imagens surgidas dos tempos idos. E mais
tarde dirão que foi o meu tempo.
Mas de repente tudo foi se transformando. Um
amigo de vez em quando, depois mais nenhum. O portão passou a não ranger mais
ao entardecer, Os passos sumiram. Ficaram somente as cadeiras. E hoje apenas
uma além da minha.
Hoje apenas uma cadeira além da minha, mas
sempre vazia. Peço que tragam dois copos d’água e duas xícaras de café, depois
começo a olhar para a mesinha sem ter quem se sirva. Tudo esfria ou esquenta.
Tudo permanece do mesmo jeito.
Olho adiante, além da saleta de repouso e
meditação, aonde se estende um velho jardim desbotado, e avisto apenas o vazio
de tudo. Os restos das folhagens são como as ausências que agora atormentam
tanto. Não queria que fosse assim.
Agora um outono em cor, em ausência, em
desolação. É como se chegasse apenas o sopro calado de tudo. A mudez da
ventania não traz mais consigo as boas notícias. Ora, ninguém vai chegar.
Ninguém vai chegar.
Não nego que gosto de solidão. A solidão é
minha amiga, é minha confidente, é minha namorada. A solidão me completa. Mas
não em todos os instantes da vida. E passou a doer quando ela deixou de
acontecer para se impor.
Faço da solidão um mundo que pode ser
ajustado através do pensamento. Trago o que quero, busco o que desejo,
transformo o que me for conveniente. Pinto paisagens e faço surgir retratos
emoldurados daquilo que desejo. Mas a outra solidão. Não esta de agora.
A solidão de agora, por ser forçada a existir
assim tão vazia de tudo, assemelha-se mais ao viver de um ilhéu ao longe
avistando os amigos que foram para o continente. Todos se foram. E ele ficou
sozinho.
Lembro-me agora daquela velha senhora que
sempre esperava suas fiéis amigas para o chá das cinco. Somente ela restando em
vida, ainda assim todo entardecer sentava ao redor de uma mesinha e mandava
servir chá com bolinhos de chuva.
O tempo passava, a noite chegava e ela ali
sentada, relembrando e relembrando, de olhos molhados e coração apertado. A
solidão, apenas. Depois ali mesmo adormeceu para o sempre, deixando em cima da
mesinha um singelo escrito:
O jardim e as flores já não existem mais
colibris e borboletas voaram para bem longe
talvez em busca de outros doces perfumes
e em mim a solidão que aflora em outono
triste
uma estação que a tudo seca e tudo devora
e que agora me chama para também voar
e voando parto nas asas da solidão a
esvoaçar.
E assim também noutras vidas, cuja solidão do
dia após dia é como um desfolhado outono. E só chega a ventania. E ninguém
mais. Ainda há a espera, ainda há o desejo do reencontro, mas depois só chegam
as saudades. E tudo vai ficando mais solitariamente triste.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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