*Rangel Alves da
Costa
Na
concepção popular, andorinha simboliza luta, esperança, perseverança, a
metamorfose, a vontade de realizar. Já o gavião, como toda ave de rapina,
predadora e carnicenta, simboliza a perseguição, a destruição, através de voos
rasantes para destruir os sonhos de outros voos.
Também
conhecida como ave da partida e do regresso, a andorinha representa o eterno
retorno e a ressurreição, em despedida e retorno para o recomeço. Busca refúgio
no inverno para reaparecer no verão. Mas nunca voa muito distante, pois sempre
preocupada em retornar para reiniciar os seus planos futuros e os seus próximos
voos.
Já o
gavião é um poderoso predador que não se inibe em atacar qualquer presa.
Astuta, evita a copa alta das árvores para se manter furtivo entre os arbustos,
de onde dá voos certeiros para atacar o que estiver ao redor. Parente e muito
aproximado na aparência do carcará, faz da carniça um de seus pratos
prediletos. Contudo, gosta mesma de ferroar suas vítimas para sentir a vida se
esvaindo no sangue que incessantemente jorra.
Como
visto, cada ave com seu jeito de ser, com seu estilo próprio de viver e de se
alimentar. A andorinha, sem atacar ou ferir os demais animais, sobrevive dos
grãos e restos encontrados nos seus pousos. O gavião, sempre violento e faminto,
não mede consequências para fazer de vítima o mais inocente dos animais. Sua
sanha é tamanha que leva no bico a marca sangrenta daquilo que vitimou.
Então vai
a andorinha em seu voo pacífico, em seu voo leve, com seu destino de horizonte.
Deseja apenas seguir, voar e voar muito mais, para depois retornar na mesma
placidez da partida. Então, de baixo, avistando a liberdade da andorinha ao
alto, o gavião logo imagina um jeito de tornar aquela paz em grito de dor e de
aflição. Não deseja mais que a andorinha cumpra seu destino de vida, e sim que
se prostre ante o punhal no seu bico.
Então a
andorinha percorre sua estrada nas alturas sem ao menos imaginar que já foi
avistada como vítima. Segue seu voo sem pensar que a maldade lhe aguarda no retorno,
sem imaginar que sua paz já se ressente da ameaça. Enquanto isso, na sua persistência
maldosa, o gavião afia suas garras, toma seu veneno, se alimenta de um ódio
incompreensivelmente concebido. E se prepara para dar fim ao destino de paz da
andorinha.
Na
natureza, apenas uma presa e um predador. Aliás, é lei natural que assim
aconteça, mas pelo instinto da sobrevivência e não pela simples maldade.
Significa que alguns animais submetem a outros para se alimentar, para afastar
perigos, para delimitar territórios. Porém, se aproxima demais do humano quando
inverte a realidade do destruir para sobreviver para a mera dizimação pela
infame crueldade.
Urubus e
carcarás também são assim. São carnicentos, agourentos, terríveis predadores.
São domados por instintos sanguinários e cruéis. São frios na ação e impiedosos
na violência. São insensíveis e desumanos, acaso nas aves de rapina existisse
um laivo de humanismo. Ferem, furam, bicam, cortam, sangram, fazem jorrar as
seivas vitais das mais inocentes vidas. O pior é que nem sempre para se alimentarem,
mas tão somente pela motivação da maldade.
Não seria
errôneo se tudo isso fosse dito com relação ao ser humano. Pessoas existem que
são verdadeiros predadores, que são terríveis e temíveis rapinas, que agem não
pela necessidade de defesa, mas pelo simples desejo de ferir, magoar, violar a
paz e a vida. Pessoas ocultadas em gaviões que outra coisa não fazem senão
atacar a vida alheia. Então aquela pessoa que apenas procura viver como
andorinha, seguindo o seu destino de passo e luta, de repente passa a ser
atacada pela crueldade do próximo.
Gaviões
humanos que alardeiam falsidades, que alastram mentiras, que semeiam
discórdias, que se regozijam com o sofrimento do outro. Predadores humanos que
vivem à caça da paz para torná-la em aflição, que vivem à espreita da
felicidade para transformá-la em sofrimento, que se preocupam somente em
subtrair as esperanças e os contentamentos. Numa selva tão vasta e tão
enegrecida, eles estão por todo lugar. Os olhos são avistados, os passos
ouvidos, as presenças sentidas.
Ante as
tocaias dos gaviões, triste do destino das andorinhas humanas. Há uma vida
inteira a ser vivida pelos que desejam viver, há uma felicidade que alguns
desejam abraçar, mas em meio à selva de asfalto e chão sempre aqueles que
cruzam os caminhos para, a todo custo, impedir a caminhada. Talvez não
contentes com si mesmos, partem com venenosos punhais em direção aos que
desejam apenas voar seus sonhos, suas vidas, suas esperanças. E por isso tanta
violência e tanta maldade no mundo.
Mas que
sigam as andorinhas. Que busquem seus céus e horizontes. Os gaviões não
alcançam tudo. E contra todo predador haverá um predador ainda maior: o homem
na sua autodestruição.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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