*Rangel Alves da Costa
A infância
não pode ser relembrada se nela não houver as recordações das tantas e tantas
chineladas na bunda. Criança traquina, desobediente, afoita demais, só pode ser
refreada com chinelada na bunda. Assim aconteceu também comigo. Na infância
interiorana, solto num mundo de mato, descampado e brincadeiras no meio do
tempo, de vez em quando eu enveredava pelas traquinagens mais reprimidas pelos
meus pais, principalmente minha mãe. Saía de casa com ordem expressa de não se
afastar muito de perto de casa, de não seguir em direção ao riachinho, de não
tomar banho nu debaixo da chuva, de não caçar passarinho com arapuca no meio do
mato. E muito mais. Contudo, bastava eu sair pela porta da frente, virar a
esquina, e era como se jamais tivesse ouvido qualquer ordem ou conselho. E
fazia tudo aquilo que estava proibido fazer: banho no riachinho, correr pelas
distâncias e mais além, caçar passarinho, jogar bola nas vidraças pelos
arredores. E de repente eu ouvia um grito: Venha cá, seu teimoso. Agora mesmo
pra casa, anda! Então eu já sabia o que ia acontecer, por isso mesmo que a
bunda já começava a arder. E tome chinelada, mais chinelada, castigo e mais
castigo. Um chororô danado. E para repetir tudo novamente no dia seguinte. Fatos
inesquecíveis de uma infância na completude da felicidade. Hoje, já partidos
nas distâncias dos céus, sequer posso mais ouvir as vozes de meus pais. E como
dói relembrar. E como dói a saudade!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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