*Rangel Alves da
Costa
Basta visitar as distâncias
interioranas, principalmente na região nordestina - e mais de perto a sertaneja
- para conhecer a fome em toda a sua largueza, toda a sua feiura e atrocidade.
Famílias inteiras na desvalia desde o amanhecer ao anoitecer. E seja pela
miséria endêmica ou pela ocasional advinda com o prolongamento das estiagens.
No caso da
pobreza endêmica, onde a situação de vida se torna de miserabilidade pela falta
de emprego, de alimentação e de políticas públicas eficientes, o que se
visibiliza é a penúria social, a conflagração de todo os tipos de enfermidades,
a desnutrição, a ausência de dignidade na sobrevivência e a desesperança em
meio a um sistema que só tem olhos para as classes sociais mais abastadas.
Neste caso, falta o pão, falta a água, falta a saúde, falta qualquer moeda.
Com
relação à pobreza provocada pelas secas e estiagens, há que se dizer que em
situações tais os problemas apenas se agravam, pois a situação de miséria é
preexistente a qualquer condicionante climática. Quando as secas se alastram,
os sofrimentos são maiores por que além do sustento familiar ainda mais
comprometido pela falta de qualquer colheita, há também o bicho para ser
cuidado e mantido em pé. Cria-se uma situação onde ao homem falta a comida de
mesa e ao bicho a comida de pasto.
O quadro
de pobreza continua tão dantesco que não se pode imaginar que os programas
sociais levados a efeitos pelo governo federal alcancem sequer a metade da população
sertaneja em situação de extrema pobre ou de miséria absoluta. E assim por que
não é difícil de encontrar - até mesmo nas cidades - pessoas ainda passando
fome dias seguidos. Casebres ou barracos onde as crianças magricelas sequer
possuem um resto de farinha ou farelo de pão.
Conheço
muitas situações assim por que nasci e convivo num município sertanejo que por
muito tempo já foi exemplo de miserabilidade absoluta. Possuía o menor índice
de desenvolvimento humano, o analfabetismo imperava, as condições de vida da
maioria da população eram as piores possíveis. Tal quadro não mudou, apenas
melhorou. E do que há é fácil constatar a fome que ronda por todo lugar, as
silenciosas necessidades, as desvalias depois de cada porta de casa,
principalmente nos arredores centrais da cidade.
Nasci em
Poço Redondo, sertão sergipano. E pelas ruas de minha Nossa Senhora da
Conceição de Poço Redondo, ando e sofro, sorrio e choro. Não é fácil amar e
sofrer. Conheço histórias e realidades de mesa sem pão, de panela vazia, de uma
gente que padece sem coragem de pedir ajuda a ninguém. Somente quando a porta é
aberta por outra pessoa é que a verdade se expõe dolorosa. E há muita gente
assim, muita família assim, que por trás da porta fechada a tristeza vela o choro
da criança, o desespero da mãe, a aflição do pai.
Poço
Redondo nunca foi lugar de pessoas batendo portas em busca de esmolas. Somente
em ocasiões especiais, como na semana santa, visitas eram feitas somente para
lembrar o costumeiro peixe, o coco, a lembrança tão necessária. Mas a cidade
cresceu muito, muitas famílias chegaram de outras regiões, e a grande maioria
foi se espalhando pelos arredores, nos bairros e conjuntos. Então surgiu um
duplo sofrimento: o da falta de pão e o desconhecimento de quem possa ajudar.
Uma
pobreza que muitas vezes se esconde pela dignidade de não pedir, pelo
envergonhamento ou pela simples falta de quem pedir, vez que quem está mais
propenso a ajudar é exatamente aquele que pouco ou quase nada tem. A riqueza
sequer nem sempre abre a porta ao saber que quem está do outro lado é um
faminto. Por isso mesmo que grande parte da população possui até o receio de
pedir ajuda. Ainda bem que pessoas das pastorais e de outros grupos religiosos
visitam tais famílias e passam a conhecer as terríveis realidades: a pobreza
feia, ossuda, faminta, lacrimejante, está mais viva e assustadora do que tudo.
Não crio
ilusões nem falseio verdades. Como disse o poeta, “Meninos, eu vi!”. Digo mais:
“Meninos, eu vejo, eu sinto, eu também sofro pela dor do outro!”. Que bom que
os demais também vissem, sentissem e se entristecessem também. Basta ir além
das ruas centrais, caminhar um pouco mais, e logo se chegará perante a mesa sem
pão e a criança chorosa. É preciso ouvir o choro da criança, sentir quanto dói
o pequenino implorar comida e os pais desesperados sem saber o que fazer. E bem
ali tal sofrimento. Chegando lá pergunte onde mora a pobreza. E a encontrará
por todo lugar.
Assim na
cidade e suas periferias, e redobrando-se em dor e sofrimento quando se vai
mais além, pelos lugarejos escondidos, pelas povoações, pelas casinhas de cipó
e barro espalhadas pelas vastidões da terra seca. Ao longe, logo a certeza: a
feição da tapera é a mesma de seu dono. Tudo em graveto, em restos, em poeira
de vida.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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