*Rangel Alves da
Costa
Dezembro é
um mês de silêncios, de profundos e abismais silêncios. Um mês que não cabe o
grito nem o espanto, que não cabe o alarido nem a balbúrdia, apenas o silêncio.
Não um
silêncio, mas os silêncios de dezembro. E silêncios que povoam as reflexões, as
meditações, as introspecções, os pensamentos interiores, os reencontros do ser
com seu espírito e alma.
Dezembro
chegado no afeto, na singeleza e no sentimentalismo. Dias mais lentos e mais
alentados, instantes sublimes e cativantes. Mas ainda assim de névoas passadas
perpassando os interiores da alma, e que em silêncio serão dispersadas.
Não cabe,
em dezembro, o barulho do champanha aberta, as euforias sonoras dos abraços, os
tilintares das taças com vinhos e espumantes, os talheres se digladiando sobre
a mesa farta, a voz exaltada. Nada disso cabe em dezembro. Apenas silêncios.
Apenas
silêncios e mais silêncios. Ao longe, apenas a melodia distante e quase
inaudível, pois dezembro possui um som próprio e inafastável: um coro de anjos
ecoando dos lumes antigos das catedrais.
Mas no
restante, apenas os silêncios dezembrinos. O silêncio da alma, o silêncio do
espírito, o silêncio da voz interior, o silêncio da reflexão, do olhar em busca
de motivo bom, da mão se entrelaçando para a oração, do lábio murmurando
clemência, da chama da vela crepitando.
Silêncios
que surgem em quartos fechados, em casas escurecidas, em sofás melancólicos, em
janelas entreabertas. Lá dentro, povoando mentes e pensamentos, os silêncios
dos reencontros com os diálogos consigo mesmo. A melhor interlocução que possa
existir.
O que sou,
o que tenho sido, o que quero ser? Sou feliz ou infeliz, tenho procurado a
felicidade ou apenas tenho vivido em busca de esmola de contentamento? Tenho
sido aquela pessoa confiada por Deus para a grande obra da existência?
Por que
tenho encontrado tanta tristeza se tudo faço para chamar a recompensa da
alegria ao meu coração? O que fiz durante todo o ano, fui ser humano ou apenas
pessoa, fui bom ou ruim para mim e os demais? Como eu poderia ter feito para
não estar assim agora?
Será que
amei na justa medida que deveria amar? Será que tenho negado pão, afeto,
carinho, compreensão, respeito? Será que estou me desumanizando ao invés de ser
mais solidário e mais acolhedor? Como será que tenho sido, meu Deus?
Por que
sinto que pecados se acumulam sobre mim sem que eu tenha praticado mal algum?
Será que não tenho cultivado suficientemente minha fé e ouvido menos a palavra
de Deus? Será que eu tenho me deixado consumir demais pelo mundanismo?
Perguntas,
questões, indagações. Não de pessoa para outra pessoa, mas desta consigo mesma,
num diálogo íntimo e tão necessário. Diálogo este que sempre surge como
inarredável necessidade no mês de dezembro, antes mesmo do Natal e da passagem
do ano.
Não raro
que muitos prefiram permanecer reclusas em seus quartos e salas, envoltas em
reflexões e meditações, a participar de festas, confraternizações, comemorações
natalinas. Enquanto outros vivem a alegria exterior, estes se encorajam para
encontrar suas respostas.
Um vai
para um amigo secreto, o outro silenciosamente medita no umbral da janela. Um
vai para uma festança sortida, outro prefere se ajoelhar num canto qualquer do quarto
escuro para a oração. Um vai beber e brincar, o outro bebe de suas próprias
palavras, sacia-se de sua própria voz.
Por isso
mesmo que nos quartos reclusos, escurecidos e silenciosos, em meio ao silêncio
e à solidão, há muito mais voz que na maior festança que houver. E assim por que
nada ecoa tão estridente quanto a autoconfissão.
Confessar
e confessar-se o mais pobre e mais humilde de todos os seres da terra. Mesmo o
ouro, mesmo a prata, mesmo o metal, nada disso possui valor de riqueza se não
se guarda no tesouro do coração o humanismo e a fraternidade tão necessários à
vida.
Confessar
e confessar-se que o mal do homem está para viver para o mundo e não para si
mesmo. Não como vaidade ou egoísmo, mas como reconhecimento de seus mais
íntimos valores. E toda a riqueza encontrada compartilhar com o irmão.
Seriam
reflexões para o ano inteiro, para cada dia do ano, mas somente em dezembro
despontam nalguns corações. E que bom proveito se pode tirar dessa vontade de
se prestar contas. E quantas imprestabilidades são afastadas pelo simples ato
de pensar e repensar a vida.
Tudo
somente possível nos silêncios de dezembro. Que nos silêncios as lágrimas
caíam, as saudades aumentem, os sofrimentos latejem por todo lugar. Será
depuração de espírito e alma, mas principalmente do ser enquanto pessoa.
Reencontro e renascimentos através do silêncio.
Dai-me,
Senhor, força e encorajamento para mais e mais silêncios assim. Uma vela acesa,
um incenso queimando, a lua em penumbra lá fora. E no meu cantinho a doce
palavra surgida na reflexão, e como bálsamo a voz: Crescei no teu silêncio para
a paz da vida e do mundo!
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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