*Rangel Alves da Costa
Bom dia, velho amigo, como vai? Desculpe-me
por chamá-lo de velho, mas é que leio seus livros desde tanto tempo que já
tenho como costumeira nossa relação.
Desculpe-me ainda por endereçá-lo a presente
missiva sem conhecê-lo pessoalmente. E principalmente por chamá-lo de amigo,
numa intimidade até evitável.
Mas reconheço como amigo aquele que me faz
bem através do que escreve. Por isso mesmo o tenho como um verdadeiro e cordial
amigo, com quem dialogo através dos livros.
Não se sinta ofendido, mas tenho que
confessar coisas que podem não agradar. Por mais que possa negar, acredito
seriamente que todo personagem sofrido de seus romances espelha o próprio
autor.
Quer dizer, você se esconde em cada
personagem sofrido, marcado pelas durezas e difíceis circunstâncias da vida,
para se autorretratar. Só muda o nome, mas você em todos eles, e seja homem ou
mulher.
O problema, meu amigo, é que todos,
absolutamente todos os seus personagens, carregam em si um fardo muito pesado
de sofrimento. Significa dizer que suas dores são tamanhas que precisa dividir
suas angústias e aflições entre tantos.
Com relação a este aspecto, ouso dizer que
uma escritora chamada Clarice Lispector fez o mesmo, diferenciando-se somente
pelo fato de que ela, até pessoalmente, jamais negou realmente sentir as
aflições transcritas em suas páginas.
E mais. A originalidade maior de Clarice se
deve ao fato de narrar seus sofrimentos, angústias, desilusões, desesperanças,
como se estivesse num divã onde o leitor é o seu pasmado analista.
E por que acredito que esteja espelhado em
cada personagem? Muito fácil dizer. Recorda que o seu Capitão Bendegó, já
cansado da luta e deitado numa rede, fica repetindo palavras ao vento que
passa?
O segredo está nas palavras utilizadas. Não
vou mais sofrer como Strauss sofreu, não vou mais chorar como Erônia chorou,
não vou mais permitir que o punhal avance sobre mim como fez Zió...
O problema é que tanto Strauss como Erônia e
Zió, e tantos outros mais, estão todos presentes em outros livros seus. E todos
eles traduzindo o próprio autor nas suas angústias, bem ao modo de Clarice
Lispector.
Desculpe, mas tenho que dizer. Por que não há
em seus livros nem um só assassino, um só bárbaro e cruel, um só desequilibrado
mental, psicopata ou coisa parecida? Por que você nunca se ajustou a tais
características. Nunca matou, nunca violou além de si mesmo.
Entendeu, meu velho amigo? Em cada livro, em
cada personagem, sua descrição é tão fiel de si mesmo que não haveria como
forjar outras situações. Apenas seres angustiados, aflitos, sofridos,
desesperançados. E todos você.
Talvez outros leitores sequer tenham imaginado
assim. Mas eu, curioso como sempre fui, saí das páginas de seus livros em busca
de informações acerca de sua pessoa, enquanto escritor silencioso, recluso, de
viver solitário. E quais os motivos para tal? As angústias.
Confirmo o que digo. No desfecho de O Lobo,
no parágrafo final, há o seguinte: O lobo estava faminto, sofrido, ávido por
qualquer coisa. Mas não quis mais ir atrás de qualquer presa ao redor. Uivou
pela última vez, o mais alto que pôde, e depois se recurvou ao chão. Para
morrer.
Relembra desta bela escrita ao final do
livro? Pois bem. Li numa entrevista dada por você que se sentia como um velho
lobo que precisar uivar pela última vez e depois fechar os olhos. Qual a
relação desses dois fatos, do livro e da vida?
Mas que não uive agora, meu bom amigo.
Permaneça no alto da montanha. Mas que não uive agora. E muito menos fechar os
olhos. Que os olhos dos lobo, ainda que entristecidos e lacrimejantes, mirem
além da noite para encontrar a lua.
Reconheço o velho lobo solitário que habita
seu monte. Lobo uivante, triste, tendo a si mesmo como presa. Mas faça como ao
final de O Diário da Montanha: E do alto avistou o mundo. Que coisa mais bela
era aquele mundo. Foi então que pediu permissão a Deus ser o dono daquilo tudo.
E depois desceu a montanha para se apossar da
grandeza da existência jamais reconhecida em seu viver. Um grande abraço de seu
cordial leitor.
Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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