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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DA PEDRA AO PÓ (OU AS LIÇÕES DO TEMPO)


*Rangel Alves da Costa


O ciclo da vida e de tanta coisa: rochedo, pedra, grão, pó... Ou simplesmente da pedra ao pó e as lições do tempo. Assim também a subida no ponto mais alto da escada e a abrupta queda, a postura arrogante e a submissão como revide do destino, o poder e a riqueza e o posterior fraquejamento na desvalia. Nada será sempre tão rochedo que mais tarde não se transforme em pó. E quanto maior a soberba maior será a deterioração.
A História exemplifica bem a indestrutibilidade que acaba se esfacelando. Grandes e poderosos reinos, impérios e civilizações, acabaram se dobrando às próprias fraquezas que se mantinham ocultas. Castelos imponentes, fortalezas abastadas, palácios suntuosos, governantes absolutos, porém tudo afeiçoados a grãos de areia. O ferro que enferruja, a rocha que sucumbe ao vento, o indestrutível que se esfacela até em pó se transformar.
Grandes e invencíveis conquistadores acabaram sendo dizimados por uma seta qualquer, uma doença, um surto. Sobre os escudos impenetráveis, eis que uma ponta afiada alcança a mortal passagem. Alexandre, o maior dos conquistadores, ainda jovem pereceu por uma moléstia adquirida nos campos de batalha. E talvez tenha se perguntado no leito de morte: Qual a valia de tanta conquista, de submissão a tantos povos, se não pude vencer a batalha que está em mim?
Genghis Khan, o temível e terrível conquistador mongol, submeteu quase o mundo inteiro. E depois morreu acometido por uma febre. Átila, rei dos hunos e cujas sombras amedrontavam os maiores imperadores, venceu as mais difíceis, contudo não conseguiu vencer uma hemorragia no seu próprio castelo, morrendo ensanguentado em si mesmo. Golias, o guerreiro bíblico, imenso e poderoso, sucumbiu ante o pequenino Davi. Dizem que morreu atingido por uma pedra.
E o que dizer do poderoso império romano, desbravando e conquistando quase todos os povos de então, mas que foi esfacelado pela falsa ideia de superioridade indestrutível? Ora, na ânsia conquistadora, subjugou e tributou, feriu e escravizou, todo e qualquer povo encontrado pelos seus generais. Contudo, esvaziado na própria sede, foi sendo acossado e submetido por aqueles mesmos desconhecidos que foram submetidos ao seu poder. Então os bárbaros fizeram sucumbir o presunçoso e arrogante império romano.
São apenas exemplos de como os castelos de areia sempre estiveram presentes em toda época e por todo lugar, desde os reinados poderosos aos mais temidos conquistadores. Assim, de repente, o que parecia indestrutível tombou pela força de um vento oculto chamado tempo. E este, o tempo, soprado pelas lições de um livro em cujas páginas diz que toda arrogância se destrói por si mesma, todo mando será desobedecido, tudo que se mostra de uma forma amanhã já estará revelado na sua antítese.
O ferro, esse metal duro, imperecível, símbolo de força e durabilidade, não consegue conter o avanço do tempo. Suporta tudo, menos a força do tempo. Não só a voracidade do tempo como a acidez da maresia. Com o passar dos anos, a cor férrea vai se tingindo com um matiz diferente, entre o marrom e o afogueado, para logo surgir a face voraz da ferrugem. Como uma doença que vai destruindo as células, assim a ferrugem vai se alimentando do ferro até devorá-lo completamente.
A fortaleza vai se corroendo pelo correr dos anos e o seu fim restará em escombros. A madeira rija nunca se mostra tão impenetrável que mais tarde não se transforme em moradia e caminho de cupins. Pequenos insetos vão se assenhoreando de imensas e centenárias árvores, lentamente roendo seus troncos, até que desabem sem vida. Tudo definha com o tempo, tudo morre com os anos, tudo se mostra incapaz de vencer o destino. Ora, já dizia Eclesiastes que tudo começa e acaba, tudo nasce para morrer, num ciclo constante e inevitável.
Não se pode fugir de sua leitura: Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou. Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar. Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar. Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora. Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar. Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. Assim no Eclesiastes (3:1-8), assim na vida.
Contudo, mesmo com as lições e os exemplos do tempo, nunca há garantia que o homem se reconheça na sua fragilidade. Por mais que saiba que a vida é feita de causas e consequências, por mais que reconheça ter a existência a força de uma onde que se desmancha na areia, ainda assim prefere o ímpeto à humildade, prefere a arrogância à modéstia. Não sabendo que o vento sopra e que o seu castelo é de areia.


Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

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