SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 27 de dezembro de 2016

SILÊNCIO E SABEDORIA


*Rangel Alves da Costa


Vozes inusitadas trazidas ao vento, espalhadas na areia, lançadas às aguas, transmitidas no olhar. Palavras e lições que ninguém jamais leu ou ouviu, mas mesmo assim extrai de sua sabedoria o sentido da existência e da própria vida.
Palavras e escritos jamais ditos na voz ou na escrita. Palavras e escritos perdidos no tempo, soprados ao sabor da natureza ao redor. Sábios, filósofos, profetas, todos ora escrevendo na areia ou fazendo uso do olhar e da imaginação para transmitirem a essência de tudo.
Pois disse o profeta somente com o olhar: Tanto mundo e tanto nada. Tanta beleza e tanta negligência na força do avistar. Tanta força e pujança e tanta fragilidade de morte. Nem que o mundo fosse o único alimento do homem, ainda assim ele cultivaria sua dádiva sagrada.
Pois disse o filósofo enquanto meditava: Há uma irracionalidade no homem que não pode ser explicada no próprio homem. Impossível que um ser dotado de inteligência e racionalidade tanto se contraponha à sua própria existência. Creio haver um outro homem escondido no próprio homem.
Pois disse o sábio na passagem de uma folha seca: Eis a vida. Já tive a primavera, já tive as alegrias e o os sofrimentos de todas as estações, mas hoje sou somente o outono. E sinto o sopro do vento cada vez mais forte. E sinto que o resto de seiva já não pode sustentar no galho da vida a morte que chama.
Pois disse o velho sertanejo enquanto matutava debaixo do sol: O valor da vida é o valor do tempo. Toda a alegria do homem depende da chuva, da terra molhada, da plantação, da colheita. Toda a tristeza do homem depende do sol, da seca, do calor, do bicho sofrendo, da morte da planta, da vida sem vida. E o pior é saber que a tristeza vem a cada manhã e a alegria tarda demais a chegar.
Pois disse o evangelista quando rabiscou na areia: Escrever para a onda chegar e levar. Aqui forjo um Sermão onde digo da força divina e mostro os doces mistérios da aceitação inconteste de seu manto. Bem assim está escrito nos livros. Mas quantos leem os livros e quantos guardam sua sabedoria na ação? Igualmente ao que escrevo agora e a onda que logo mais chegará para tudo apagar.
Pois disse o profeta no alto da montanha. Vejo o Eclesiastes em tudo. Ontem um deserto, hoje uma pujança. Ontem a fé, hoje apenas a oração como remédio passageiro. E do homem, que um dia já foi mais forte e mais resistente, nada mais há que se temer senão o perecimento pela fragilidade de sua espiritualidade.
Pois assim disse o poeta enquanto dialogava com a pedra: Tua pele tão áspera e tão macia. Sinto perfume e vejo aridez. Eu beijaria sua boca de ferro, petrificada. Eu beijaria sua boca porque sei do milagre que existe no ferro e na pedra. Não há candura e afeto que não derreta o mais insensível dos lábios.
Pois assim eu disse enquanto caminhava na estrada: Caminhar é igual a destino. A pessoa sai na porta e não sabe onde vai chegar. Contudo, ao menos não percorrer os desconhecidos e evitar os labirintos e as curvas por todo lugar. Tudo que tiver de acontecer acontecerá. Mas procurando flores na estrada não se lança somente aos espinhos.
Pois assim você pode dizer também. E diz a todo instante. As palavras mais fortes e vivas não surgem na boca através da voz, mas pelo silêncio da mente, pela mudez do pensamento. Cada ser humano possui o poder de dialogar a vida através do silêncio, meditando, refletindo.
Ademais, poucos são aqueles que desejam ouvir verdades. Estas possuem tão íntima serventia que o homem somente deveria pronunciá-las em silêncio.


Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com 

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