*Rangel Alves da Costa
Há um rio. Vejo um rio. Um rio bonito, manso,
por vezes largo, por vezes apenas um caminho em curvas molhadas. Mas o que
atiça minha imaginação está no outro lado do rio.
Povos desconhecidos. Vidas desconhecidas.
Costumes e tradições ainda não conhecidos. Tudo tão próximo e ainda tão
inacessível por estar do outro lado rio. E eu ainda não haver alcançado a outra
margem do rio.
Há um rio. Um rio diante do meu olhar. Que
solene e majestoso rio, dançando em valsa danubiana, passando leve como uma
pluma. Mas o que me chama vem do outro lado do rio.
Talvez um povo bárbaro. Talvez uma tribo
nativa ou um povo se preparando para um sagrado ritual. Quem sabe apenas a
solidão numa terra ainda inexplorada. Mas a certeza de um caminho que deva ser
percorrido no outro lado do rio.
Há um rio. Sinto um rio. Um barco que vem, um
barco que vai, uma margem, um caudal piscoso que emerge e vai sumindo. Mas
penso é no que está no outro lado do rio.
Ali do outro lado pode ser a moradia daquele
que fugiu da selva de pedra para viver sua doce e bucólica solidão, vivendo
entre luas e coqueirais, entre sóis e canções da natureza. Numa rede de dormir
ao luar e numa tapera levantada em bambu.
Há um rio. Pertinho de mim há um rio. O seu
leito preexiste a toda a vida, a toda terra, a todo o viver, pois fincado nas
entranhas de margem a margem. E no outro lado o que quase me faz voar na ânsia
de conhecer.
No outro lado avisto apenas o outro lado.
Nada está visível ou definido ao olhar. Sombras, réstias, brumas, miragens,
idealizações de tudo o que possa existir ali. Talvez um barco esteja repousando
nas margens, talvez um olhar esteja escondido entre os tufos verdosos a vigiar
a vida desse outro lado. A minha vida.
Há um rio. Quase piso nos rasos das águas
desse rio que está aqui. Mas certamente pisarei, adentrarei o seu leito até
alcançar a sua outra margem. É lá que quero conhecer e desvendar todo o
mistério e encanto de sua existência.
Quando eu era menino e nos braços de minha
avó me jogava para ela fazer cafuné, então de sua voz ouvia que o que importa
mesmo na vida de um ser humano não é avistar somente o rio que passa diante do
olhar, mas o que está do outro lado.
E minha avó me dizia mais: Todo olhar da
pessoa é um rio e tudo o que ela avista é um rio. Mas o que importa mesmo é não
se contentar com o mesmo rio, as mesmas águas, a mesma mansidão e a mesma
correnteza que passa. Impossível viver sem conhecer o outro lado rio.
A pessoa – continuava minha avó – deve sempre
procurar a outra margem do rio por que esta outra margem representa todo o
conhecimento que ainda não foi alcançado e que tanto se faz necessário à vida.
Não se deve contentar apenas com o visto e sua aparência, deve-se sempre buscar
alcançar outras realidades.
Neste sentido, a outra margem do rio como o
livro que continua fechado. No outro lado, páginas que precisam ser lidas,
lições aprendidas, realidades vivenciadas. Não apenas o oculto e o
desconhecido, mas o tênue véu que espera ser afastado e conhecido na outra face.
Daí que preciso alcançar a outra margem do
rio. Daí que preciso chegar ao outro lado do rio. E até por que já cansei de
caminhar pelos mesmos caminhos. Já não suporto mais ter noites de manhãs não
acontecidas. Já não posso mais ter os mesmos dias e as mesmas noites.
E sinto que chega um barco e repousa na
margem onde estou. Está vazio, talvez esperando apenas que alguém nele suba e
vá com ele a outra margem do rio. Olho ao redor e sinto que sequer precisarei
dar adeus a alguém ou alguma coisa.
E pelas águas vou...
Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário