*Rangel Alves da
Costa
O tigre
azunhou a tigresa boa parte da noite. Quando acordou ao alvorecer, sequer olhou
de lado. Derramou na boca uma caneca de café, mordeu um pão e abriu a porta.
Ainda era cedo na selva.
As folhagens
farfalhavam seus vozerios. Um emaranhado de tudo se fazia por todo lugar, como
numa teia onde o andante pode cair na armadilha a qualquer instante. Seguindo
pela estrada, o tigre afiava os dentes pontudos e mortais.
Bastou que um
guaxinim levantasse a cabeça na sua direção, e o felino logo quis avançar para
abocanhá-lo. Uma selva de todos, com todos tendo de conviver pacificamente para
melhor sobreviver. Mas não. Todo bicho era presa de todo bicho.
Pelas
janelas, ou tufos de mato, animais se esgueiravam com olhos brilhosos e
virulentos. Feições de aborrecimentos, de ódios, de inimizades, de disposição à
intriga e propensão à maldade. De vez em quando um bicho abria passagem como se
quisesse ferir quem estivesse pela frente.
A onça
despontou na esquina trazendo punhais na boca, no olhar, no gesto. Conhecia o
tigre desde muito tempo, mas ali não era lugar para qualquer cordialidade. Por
isso passou junto dele como que ameaçando exterminá-lo.
Um carcará
passou em rasante e foi diretamente nos olhos da pomba. Por ali se dizia - quando
alguma boca se abria sem ser na intenção de ferir - que aquela pomba era o
único bicho que restava como esperança de uma vida cordial entre todos.
Mas coitada
da tal pomba da paz. O carcará começou a sangria e logo em seguida prosperou o
festim macabro com o pouso voraz e faminto do urubu e do gavião. Em poucos
instantes as penas da pomba já se lançavam pelo alto.
Adeus pomba,
adeus paz. Quando uma pena caiu sobre o ombro da jaguatirica, imaginando ser um
inimigo, logo está pulou e prontamente se colocou em posição de ataque. Estava
numa ferocidade tamanha que se imaginaria pronta para enfrentar o maior dos
desafetos.
Uma cena
desconcertante, mas que nenhum bicho prestou a menor atenção. Aliás, por ali
todo bicho ameaçava o outro com olhares, caninos e gestos, mas não se
aproximava com qualquer palavra. A não ser que fosse para vomitar ódios e
desavenças.
E que selva
mais violenta, mais bestial mais brutal, mais aterrorizante. Por todo lado e
por todo lugar, a tocaia, a armadilha, a embocada, a maldade pronta para agir. Bicho
contra bicho, lobo contra lobo.
Uma raposa,
matreira que só, acostumada a sobreviver da carniça do outro, logo começou a
espalhar mentiras em torno da cotia. Dizia que ela pretendia emboscar o preá e
o tatu e por isso mesmo deveria ser castigada. Dessa mentira, o pior
acontecido. A cotia foi morta.
Mas não
demorou muito para chegar a vez da própria raposa. Enquanto ela tramava mais
uma falsidade debaixo de um pé de pau, uma cobra com a língua maior do mundo
soprou-lhe ao ouvido: sua hora chegou, pois você matou o tamanduá.
Enquanto
isso, o tigre lançava suas garras afiadas em cima de um veado. Motivo? Cismou
que o veado o estava olhando demais, partiu pra cima exigindo satisfação, e
depois quase lhe sangrou o pescoço. Só não matou por que outros bichos logo se
aproximaram.
Mas de
repente e a guerra estava feita na selva. As garras mortais se lançavam a
qualquer um, as unhas pontudas rasgavam ventres e destripavam vidas, as bocas
sangrentas e asquerosas se apeteciam sobre os restos mortos. Assim morria-se e
assim vivia-se nesse mundo de presas e predadores.
Ao retornar
ao ninho, o pássaro encontrou o lugar mais limpo. Chamou, gritou pelos seus,
mas nada. Algum tempo depois os reencontrou, mas já eram suficientemente donos
de suas vidas para também querer atacar e ferir aquele que lhes deu vida.
Eis uma selva
imaginária, fantasiosa, falsa demais talvez. Mas não será bem assim acaso se
pense noutra selva tão conhecida. Nesta, dizem que moram e vivem pessoas. Mas
tenho minhas dúvidas. Creio ser a mesma selva.
Escritor
Membro da Academia de Letras de
Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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