*Rangel Alves da
Costa
A saudade
é mamífera, é animal, grunhe, uiva, berra, chilra, muge, lancina, lateja. A
saudade é assim um grito de dor saído de uma incompreendida voz.
A saudade
tem patas, garras afiadas, caninos vorazes, bocas sedentas, olhos brilhosos,
cheiro de bicho, de bicho feroz. Mas também de bicho acuado na armadilha de si
mesmo.
Saudade no
telhado no meio da noite, nos esconderijos enegrecidos da noite, nos picos e
colinas da escuridão, nos descampados sombrios e entre os tufos que escondem as
dolorosas realidades.
A saudade
é gato, é boi, é vaca, é cachorro, é coruja, é raposa, é mãe-da-lua, é gavião,
é carcará, é lobo. Principalmente lobo e sua saudade noturna, fechada,
tristonha.
A saudade
é lobo de estepe, é lobo uivante, é lobo no mais alto da montanha, soltando seu
grito lamento em direção às distâncias enluaradas. E somente ele sabe a saudade
sentida.
A saudade
é lobo em meio à escuridão, nos negrumes escondidos, nos altares dolorosos da
mata silenciosa. É aí que seu uivo brada a saudade mais medonha que possa
existir.
Alguém já
ouviu o lobo uivando no meio da noite? Alguém já se aproximou de seu pedestal
de tristeza e solidão para sentir de perto sua dor lancinante? Alguém já mirou
naquele olhar profundo, naquela boca cheia de garras trêmulas, naquela posição
solenemente angustiada?
A saudade
do lobo é a mais terrível saudade. Não uiva por que assim acostumou quando a
noite cai, não berra por que está fisicamente doente, não ulula anunciando aos
demais sua presença. Não.
Seu uivo é
de dor sentimental, da alma, do pensamento. Querer ter e não ter, ou ter e se
prostrar na distância, ou simplesmente não ter nada além de uma desesperança de
jamais poder sentir a presença.
Por isso
mesmo que o lobo age assim no meio da noite. Cantando sua saudade tanta,
bradando sua saudade grande, chorando sua solidão. Enquanto a lua desce o uivo
sobe, se espalha, luzindo na noite seu anúncio de existência.
Por isso
que o lobo uiva. Uiva, grita, berra, brada de saudade. Basta sentir na
entonação do seu uivo, num acorde que começa baixo e vai se alongando, para
saber que não é sem motivos que tamanha dor ecoa com tão intensa profundidade.
Vejam a
fotografia do lobo noturno uivando no alto da montanha. Os olhos apertados,
fechados, parecem vertendo lágrimas. A boca aberta, os caninos pontudos, o
nariz voltado ao alto, tudo emoldurando uma angústia sem fim. E na sua posição,
como se no alto estivesse para ser melhor ouvido, afeiçoa-se a uma sombra que
desesperadamente quer voar.
Mas os
lobos não são apenas os lobos. O homem é o lobo de sua solidão, o homem é o
lobo de sua angústia, o homem é o lobo de seu desalento. E animal que sofre,
que chora, que se angustia e padece de doer na alma.
Homem na
dor do lobo, lobo no sofrimento humano. O homem uivando na sua noite, subindo
na sua montanha do passado e de relembranças, para soltar sua voz mais triste,
que é aquela silenciosa e torturante. A voz de uma saudade que faz gritar por
dentro igual o lobo.
Quantas
montanhas e estepes ao redor do homem. No quarto fechado, na janela
entreaberta, perante as vagas da noite, mirando a lua e as estrelas, ou
simplesmente de olhos fechados e apertados de dor, o homem uiva.
Noites de ruas
vazias, quartos fechados e janelas entreabertas. E os uivos anunciando as
saudades. Mas ninguém pode ouvir, pois cada um sentindo a força de seu próprio
bradar, por dentro, no âmago, na exata dimensão de sua solidão.
Tudo sei
sobre saudades e lobos. Sou um solitário lobo. E ainda ouço o meu uivo na
solidão da noite passada.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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