*Rangel Alves da
Costa
No início
desta semana ao entardecer, em cima da calçada da Catedral Metropolitana de
Aracaju, eu observava a pujança das velhas amendoeiras ao redor. O templo
cristão fica ao centro de uma praça tomada de grandes árvores, sobressaindo-se
as amendoeiras com suas folhas vistosas e belas.
Observando
aquelas frondosas árvores, com cada uma contando com mais de cem anos ali
enraizadas, logo me veio à mente o quanto suas copas, suas folhagens e
sombreados, foram testemunhando ao longo de tantos anos. Tudo passando, tudo se
transformando ou simplesmente desaparecendo, e elas ali ainda tão imponentes.
A Praça
Olímpio Campos, local onde tais árvores se assentam, é uma das mais antigas da capital
sergipana. Antiga e relegada ao esquecimento, como se as praças necessitassem
apenas de árvores centenárias e canteiros cortando os seus percursos. Por que
os arvoredos não precisam de constantes reparos, então também descuidam das
gramas e de outras árvores menores. Não há mais bancos, os córregos secaram e
os caminhos internos se tornaram perigosos demais.
Noutros
idos, quando ainda era cuidadosamente preservada e constantemente embelezada,
ainda era possível encontrar resquícios de fontes, pequenos córregos, canteiros
floridos e até um pequeno jardim zoológico. As famílias por ali passeavam, os namorados
se encontravam, era até um deleite espiritual estar lentamente caminhando pelas
suas diversas opções, principalmente ao redor da pequena ponte e seu silêncio
entrecortado por um ou outro canto passarinheiro.
Nas festas
de final de ano, principalmente na época natalina, a praça se transformava numa
verdadeira festa. Parques de diversões eram instalados, o Carrossel do Tobias
chegava como verdadeiro encantamento, barracas vendiam de tudo, doceiros e
pipoqueiros ofereciam aos visitantes desde maçãs do amor a coloridos e
cativantes algodões doces. Cachorro quente, pipoca colorida, churros e tudo o
mais. Uma diversão segura, acolhedora e barata a todas as famílias e seus
pequenos brincalhões.
Hoje a
praça não dispõe de um banco sequer debaixo das sombras. Os pombos ainda são
muitos defronte a catedral e arredores, mas não se pode mais sentar ao
entardecer para observar seus rasantes, seus encontros catando restos pelo chão
e seus voos de partida. Não há como sentar para a leitura de um livro, para um
instante de silêncio e meditação, para uma palavra amorosa com alguém querido.
Apenas os vazios tomados por estranhezas, por pessoas que passam sem tempo de
apreciar o que ainda resta.
Mas não
resta muito. Lar de árvores centenárias, desde longe são avistadas com suas
copas e folhagens derramadas sobre as tristezas do presente. Murmurando velhas
canções ao sabor do vento, ali repousam antigas, talvez já cansadas, esperando
as estações para mudarem seus semblantes, cores e formas. Os canteiros abaixo
estão sempre tomados de suas folhas caídas na ventania, mas é no outono que os
tapetes se alastram com seus ocres, vernizes, marrons e acinzentados.
Uma
paisagem tão bela como melancólica. As folhas grandes vão caindo e se deitam
umas sobre outras, como velhos escritos que vão se acumulando pelas salas de um
poeta triste. Talvez não sejam apenas folhas mortas, outonais, mas verdadeiras
páginas que se desprenderem dos galhos e trazem consigo memórias escritas de
outros tempos, de uma nostalgia guardada em lenços molhados. As folhas das
amendoeiras caindo como livros abertos e que desejam leituras. Ler o passado
através da recordação.
De vez em
quando faço do entardecer um reencontro com aquelas velhas amendoeiras. A cada
passo e a cada olhar é como se estivesse diante de um livro antigo, cujas
folhas amareladas vão contando histórias de outros tempos. Ali, debaixo
daqueles sombreados, ao farfalhar da ventania, os testemunhos tantos de um
tempo muito mais humano e singelo, na região central de uma capital que ainda
possuía face, coração e interioranos. Hoje também testemunha as transformações,
os novos dias, mas sem aquele olhar gracioso que antigamente se estendia sobre
o bucolismo apaixonante.
Tudo
parece de outro tempo por ali, no seio da praça. A velha catedral ainda mais
envelhecida pela falta de reparos, o sino agora mais lento e enrouquecido por
falta de manutenção, as paredes velhas das coisas velhas. Depois das quatro da
tarde, ao chamado da missa de dali a meia hora, o badalar distante e tão
pertinho. As velhas beatas que chegam, os velhos cantos que são logo ouvidos, a
necessária fé de um povo. Um pouco mais ao lado, o vendedor de livros novos e
usados com sua banca estendida no chão. Núbia Marques, Stendhal, Dom Luciano
Cabral Duarte, Antônio Saracura, Richard Bach, Antônio Carlos Viana, os
filósofos gregos, tudo ali.
A missa
não é antiga por que padre Manoel Barbosa possui moderna pregação, mas ao redor
tudo parecendo adormecido. A chama da vela que nunca se apaga, aquele olhar
tristonho e sofrido de um Cristo pregado na cruz. Mãos que se juntam em oração,
joelhos que se dobram, esperanças que renascem. E depois da missa a voz do que
a praça e suas árvores tanto repetem. Palavras somente ouvidas por alguns
corações.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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