*Rangel Alves da Costa
Não há mais jardim nem flores vivas ao
amanhecer. Foram-se os beija-flores, os colibris, as borboletas, a passarada.
Pétalas despedaçadas sobre canteiros tristonhos e feios. Sem motivos para primaveras,
os outonos chegam e devastam tudo.
Não há mais flores perfumadas sendo colhidas
por mãos jovens e viçosas, por olhares sublimes e cativantes, onde a cada
roseiral que passa vai deixando no jardim um aroma mulher. Apenas mãos trêmulas
e olhares tristes que ajeitam as flores de plástico sobre a mesa e depois
seguem até a janela para entristecer e chorar.
Não mais manhãs de sombreados alvoreceres nem
madrugadas de galo cantando a vida que nasce. Não há mais o silêncio dos gatos
cansados dos gemidos em telhados nem o leve sereno que sempre cai entre a noite
escura e as portas de um novo dia. Apenas as portas e janelas que se abrem sem
as canções sentimentais do passado.
Não há mais cheiro bom de café torrado em
fogão de lenha nem cuscuz ralado fumaçando perfume e sabor. Não há mais fogão
de lenha queimando pelo garrancho de madeira seca nem as brasas vivas que
esperavam morrer pelo sopro. Apenas os bicos abertos nos fogões a gás e a
tristeza de não dar sabor aos alimentos de cada manhã e do dia inteiro.
Não há mais a poesia da chuva caindo sobre a
vidraça nem corações desenhados sobre o embaçamento molhado. Não há mais mãos
saudosamente apaixonadas riscando amorosas palavras nem olhares nublados ante
os amores distantes. Não há mais chuva caindo na noite, na madrugada ou
amanhecer. Apenas as solidões molhadas nos amores adormecidos.
Não há mais o banho em nudez debaixo da chuva
nem a canção prazerosa de se entregar aos pingos que das nuvens caem. Não há
mais quintais para banhos nem pessoas que se sintam seguras na sua nudez
debaixo da chuva caindo. Não há mais chuva, não há mais chuva caindo. O que
desce e molha é apenas o pingo. Não há mais chuva, não há mais chuva caindo.
Não há mais grilos cantando nos ocos dos paus
em noites de lua cheia nem vaga-lumes faiscando em meio às noites mais negras e
sem lua. Não há mais olhos escondidos na noite nem a poesia da lua descendo
sobre as vagas mais solitárias. Não há mais o romantismo de se viver a noite em
sua imensidão nem o prazer incontido de viver a dois todos os mistérios das
noites. Apenas noites que chegam e se vão como a própria lua que vai sumindo
depois de mais nada iluminar.
Não há mais mãos dadas pelos caminhos ou
passos abrindo sulcos pelas areias da estrada. Não há mais mãos dadas em
direção ao alto da montanha nem corpos deitados sobre as relvas para a poesia
do amor. Não há mais livro marcado em folha seca nem cadernos de poesias com
poemas marcados em batom ou molhados de lágrimas. Apenas os livros fechados ao
belo e os vazios nos amores e nas existências.
Não há mais a saudade profunda e chorada por
um profundo amor. Não há mais retratos beijados nem cartas lidas e relidas. Não
há mais palavras tortas em cartinha apenas para dizer que tanto ama e sente
saudade. Não há mais janelas abertas para os sonhos e a esperanças de breves
retornos. Não há mais os olhares ao longe dos caminhos e avistando nas curvas a
esperançosa chegada de um amor ausente. Apenas os dias que passam em silêncio e
as noites que passam em agonia.
Não há mais corpos nus em beijos e abraços.
Não há mais amores verdadeiros em corpos nus em beijos e abraços. Não há mais
quereres verdadeiros e prazeres absolutos em corpos nus e entregues a beijos e
abraços. Não há sequer beijos e abraços. Apenas corpos nus em busca de qualquer
prazer, como se o sexo fosse início e fim daquilo que o corpo tanto quer em
busca de felicidade e contentamento.
Não há mais poeta nem poesia. O que restou
foi o caderno perdido de um poeta triste e que partiu na dor de suas palavras.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Texto lindíssimo! Uma prosa poética verdadeira, pungente e muito, muito bela.
Postar um comentário