*Rangel Alves da
Costa
Quando eu
quis voar e ser apenas Ícaro a esvoaçar, então veio o sol a me esturricar, a
queimar minhas asas e me derrubar, desfazer do sonho que pude sonhar.
Quando eu
quis voar, e do rochedo o semideus Prometeu acorrentado retirar, veio o abutre
ávido no seu voejar e me lançou as garras sem pestanejar.
Quando eu
quis voar e no céu do condor o mais alto alçar, logo senti que tal sonho de me
libertar talvez nem pisando ao chão fosse possível alcançar.
Quando eu
quis voar e simplesmente ser das nuvens mais um passarinho no seu revoar,
quando olhei para baixo avistei uma arma pronta a disparar.
Quando eu
quis voar e no voo o mais longínquo horizonte poder abraçar, mas quando mais
longe ia o meu avoar mais sentia que do chão eu nunca ia passar.
Quando eu
quis voar e senti quando alguém abriu a porta da gaiola pra me libertar, já não
tinha força para o voo levantar e também sabia do meu breve voar.
Quando eu
quis voar e ao longe ouvi um canto de acalantar, então logo pensei que poderia
amar, mas quanto mais voei mais vi distanciar aquele coração e o seu gorjear.
Quando eu
quis voar, e assim quis por meu desejar, não pensei que a gaiola estava a me
esperar na curva e no alto e por todo lugar, na ânsia do mundo de aprisionar.
Quando eu
quis voar e de uma mão aberta fui subindo ao ar, quando mais subia mais sentia
um puxar, que era da mão me fazendo voltar, negando o destino de estar pelo ar.
Quando eu
quis voar e do alto do telhado me pus a olhar, e da copa da árvore me pus a
pensar, ao longe avistei um cruel carcará. Ou talvez fosse homem e o seu
emboscar.
Quando eu
quis voar, pensando que pássaro tem livre passar, não passei da nuvem nem pude
avançar, pois no céu do passarinho já não se pode voar.
Quando eu
quis voar e fechei a porta do ninho pra quando retornar, sequer imaginei de a
casa voltar e nela nem um grão de palha encontrar, e depois o nada a me
agasalhar.
Quando eu
quis voar, imaginando o gosto e o prazer de poder sonhar, levado pelo espírito
de me libertar, ao levantar as asas fui impedido pelo homem de qualquer voo
alçar.
Quando eu
quis voar, assim como voa a folha no seu viajar, assim como o vento no seu
passear, não quis mais que no espaço caminhar o caminho impossível de na terra
andar.
Quando eu
quis voar e de lenço aberto ao longe me pus a acenar, de lágrimas nos olhos o
seu respingar, não quis ir além de conhecer a vida e depois retornar.
Quando eu
quis voar e outros pássaros chamei para comigo ruflar, e todos aceitaram as
alturas beijar, não pensei quão difícil é sair do chão sem uma arapuca a
esperar.
Quando eu
quis voar e voei bem alto sem sair do chão e nem caminhar, percebi que o voo
também é o sonhar, o querer distante se impossível subir e sentir a lua
brilhar.
Quando eu
quis voar e um pássaro mais velho me pôs a ensinar que muitas armadilhas eu
iria encontrar, não imaginei que abrindo a porta não podia sequer caminhar.
Quando eu
quis voar e me fiz de herói para a glória alcançar, e me fiz de mito na
mitologia que há, não tinha percebido que os deuses morreram sem poder voar.
Quando eu
quis voar e do alto o mais alto eu poder gritar, dizer que a liberdade é o que
deve ao homem restar, ninguém me ouviria para acreditar.
Quando eu
quis voar, Fernão Capelo Gaivota a me acompanhar, um Messias de asas sempre a me
guiar, contentei-me em bater as asas e depois chorar.
Quando eu
quis voar e por que voar é o maior sonho que há, não quis chegar aos céus nem a
mão sagrada beijar, mas ao longe minha força poder ao divino mostrar.
Quando eu
quis voar e assustei-me logo ao acordar, restou-me a lição a me acompanhar: vá
além do sonho por que além do horizonte será possível chegar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário