*Rangel Alves da Costa
Creio ainda não ter envelhecido completamente
para que alguém ouse dizer que minhas palavras são ultrapassadas pela idade ou
que já não são mais ouvidas nos tempos modernos.
Também não importa o que digam se o que prego
é apenas o respeito com os costumes, as tradições, os sentimentos e as raízes
de um povo. Mesmo que o novo seja tão necessário, mesmo que em tudo exista
refazimento, preceitos existem sem os quais os povos perderão sua identidade de
permanência.
Em nome dos valores humanos, daqueles
preceitos repassados como ensinamentos de vida, sempre continuarei enaltecendo
os bons costumes da vida. Mesmo tantas vezes não aceitando, respeito o novo em
nome das liberdades, porém não posso pactuar com os modismos que não somente
negam como afundam os valores mais preciosos ao ser humano.
Tais palavras preliminares sintetizam bem o
que no dia de ontem pude presenciar, ou o desprazer de ter de vivenciar. Um
simples fato numa cidade interiorana de hoje: um velório numa esquina e a
poucos metros dali uma festança preparada, com o som nas alturas já desde muito
cedo.
Como dito, um simples fato numa cidade
interiorana de hoje, mas impensável de acontecer a poucos anos atrás. Ademais,
uma questão de respeito e solidariedade humana que deixa de ser considerada em
nome da festa, da alegria, da cantoria, da dança e da bebedeira. Tudo como se
tanto fizesse a morte de um ser humano tão profundamente enraizado na
comunidade.
Pela proximidade dos dois eventos tão
contrastantes, certamente que a família enlutada e todos aqueles que velavam a
vida partida estavam forçados a ouvir o som estridente vindo dos preparativos
da festa. E no meio da noite, acaso alguma reza de encomendação de alma fosse entoada,
seus lamentos estariam entrecortados pelos altos acordes da festança.
Não sei se houve sentinela nos moldes
antigos, onde, durante a noite inteira, as rezas e os lamentos antecedem o
sepultamento. Mesmo que assim não mais aconteça, certamente que o velório
continua no mesmo ritual de antigamente, com familiares e amigos em
entristecida e chorosa vigília durante a noite inteira até a descida da última
pá de terra. Mas a festança próxima durou a noite inteira, varou a madrugada e
ecoou até o amanhecer.
A festa acabou já na manhã ensolarada deste
domingo. Enquanto os festeiros, bêbados e cansados, extasiados e exauridos,
procuram seus leitos para repousar dos tragos, das danças, das curtições,
pessoas continuam velando a falecida senhora. Estes de olhares cansados e
tristes, mas por motivos somente conhecidos por aqueles que conhecem a dor e a
profundidade de uma perda.
A festa acabou. Talvez tenham achado tudo
perfeito, principalmente se alcançou seus objetivos de lucratividade. E para
tal tanto faz que incomode os vizinhos ou não, que desrespeite o repouso dos
mais velhos ou das crianças, que tira o necessário descanso dos enfermos das
proximidades. E principalmente tanto faz que alguém tenha morrido ou não e que
logo mais adiante estejam a aflição e o pranto.
Tristes tempos estes onde o ser humano é
desrespeitado, aviltado na vida e achincalhado até na hora da morte. Não há o
mínimo respeito nem pelo senso de irmandade sertaneja nem pela memória em
grandioso livro. Não há a mínima consideração pelo ser humano, pela dor dos
familiares e amigos. Não há absolutamente nada que se diga humano em quem age
assim perante o próximo.
Tristes tempos onde a dor de um é
menosprezada pelo outro, onde o sofrimento de um é negado pelo outro. Mas tudo
pó e ao pó há de retornar. Miséria humana se imaginar que a vida é somente
viver com o brilho das ilusões. Nestes, além do pó também a miséria do
esquecimento.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário