*Rangel Alves da
Costa
Nem
chegava o mês de agosto e Poço Redondo já parecia outra cidade, remoçada,
bonita, florida, aconchegante. Era nesse período que grande parte das casas
recebia pintura nova, vistosa, com barra vermelha e tudo e o mais.
Quando o
mês da festança maior da cidade abria as portas, então a povoação se
transformava totalmente. O que se avistava eram as moças solteiras passando com
panelas para serem areadas nas beiradas do tanque velho. Necessitavam dar brilho
em tudo para receber os visitantes.
Pelas
calçadas, cadeiras espalhadas para receber colchas de veludos, panos mais
chiques, cobertores floridos. Também uma época onde os paletós de linho e
roupas festeiras eram retirados dos escondidos dos guarda-roupas para
providenciais banhos de sol. Por isso um cheiro de naftalina danado por todo
lugar.
Bastião
Joaquim já coçava a cabeça pensando em receber da melhor maneira possível seus
amigos da Serra Negra. Seu prazer era imenso, pois aquele povo do outro lado da
serra era com se tivesse raiz no lugar. E tinha mesmo, pois os Carvalho desde
muito encravados nas terras poço-redondenses com suas fazendas de meio mundo.
João Maria
de Carvalho, o coronel de patente e mando, seu irmão Piduca Alexandre, seu
filho Heraldo e seu sobrinho Evaldo, eram assíduos visitantes de Poço Redondo.
Do mesmo modo Oza, Maria de Ioiô, João de Ioiô e tantos outros alexandrinos que
arribavam para o lado de cá principalmente em dias da festa grande.
Entre as
casas de Tonho Rosendo, Zé de Lola e Bastião Joaquim, os alexandrinos
encontravam certeira e aprazível guarida. O Coronel João Maria se aboletava
numa rede na sala da frente da casa de Zé de Lola e dali mesmo ordenava
além-fronteiras. Já Heraldo e Evaldo deixavam a casa de Bastião Joaquim no
passo certeiro dos bares, dos forrós, das cavalgadas, dos locais onde houvesse
moça fogosa e namoradeira. Até de homem casado.
A chegada
de Heraldo de Carvalho era uma preocupação a parte para Delino, pois sempre
temendo que o doutor da Serra Negra repetisse um gesto de outra ocasião: com
bar e salão lotados, com forró comendo solto, eis que o homem entra com cavalo
e tudo. Entrou e foi em direção ao balcão. E quem era besta de dizer um
tantinho assim?
Daquele
chapéu largo e gestos vaidosos, apenas um homem bom. Melhor ainda seu primo
Evaldo, que só pensava em namorar. E sem a presença deles a festa de agosto não
tinha graça. Como não tinha graça sem a chegada do parque, sem a presença de
Manezim Tem-Tem, sem Seu João Retratista, sem a visita certeira de Expedito, o
sarará-avermelhado e desajuizado.
Manezim
Tem-Tem tinha freguesia mais que garantida. Os sapatos de festa, devidamente
guardados de outras ocasiões, eram colocados em suas mãos ali mesmo nas
calçadas. Retornavam brilhando mais que sapato novo. Não podia faltar retrato
de jeito nenhum, nem antes nem durante a festa, por isso mesmo que Seu João
Retratista tinha um trabalho danado de armar e desarmar seu tripé para as fotos
em meio aos jardins floridos daquele Poço Redondo de antigamente.
Era o período
do alavancamento comercial da cidade. Pano de corte, lustroso, enfestado, era
com as irmãs Marques: Mãezinha, Conceição e Izabel. Ter uma camisa de
volta-ao-mundo era uma grã-finagem pra poucos. Mas Izabel Marques possuía à
venda. Calça Lee da legítima, calça boca de sino, saia rodada, vestido
ajardinado, tudo isso também colocado à venda no comércio local e também nas
caminhonetes que chegavam de outras localidades.
Forró por
todo lugar, desde o início do mês. Não havia salão onde o fole não roncasse
desde cedinho até madrugada adentro. Agenor da Barra, Dudu Ribeiro, Zé Aleixo,
Zé Goiti, Dida e tantos outros, tudo arrastando seus foles para a alegria e o
chinelado sertanejo. Na memória de Zelito, o cantador maior de forró,
certamente a doce recordação desse tempo.
Cinco da
tarde em ponto. A música O Milionário, anunciava o início das atividades no
parque. Daí em diante uma festa só e mais tarde o cheiro das brilhantinas, do
Toque de Amor, do Charisma, e os gemidos pelos sapatos apertados. E aquelas donzelas
em suspiros sem fim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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