*Rangel Alves da Costa
Jamais pensei em te perder. Mas na primeira
manhã depois que te perdi, tudo em mim se resumia na canção de Alceu Valença:
“Na primeira manhã que te perdi, acordei mais cansado que sozinho. Como um
conde falando aos passarinhos, como uma bumba-meu-boi sem capitão. E gemi como
geme o arvoredo, como a brisa descendo das colinas, como quem perde o prumo e
desatina, como um boi no meio da multidão. Na segunda manhã que te perdi, era
tarde demais pra ser sozinho. Cruzei ruas, estradas e caminhos como um carro
correndo em contramão. Pelo canto da boca num sussurro fiz um canto demente,
absurdo. O lamento noturno dos viúvos, como um gato gemendo no porão. Solidão”.
E mais: o absurdo de não aceitar estar sozinho, o desencanto com tudo que se
mostrasse vida, a desesperança em qualquer esperança de felicidade. Amargar o
sal, amargar o veneno, amargar a dor, amargar o dissabor da solidão.
Jamais pensei em te perder. Mas te perdi.
Pensei que poderia suportar a distância apenas como uma saudade, mas não. Ao
invés da mera saudade ou do entristecimento pela saudade, eis que em mim um
tempo de fúrias e tempestades, de terríveis vendavais, de aterrorizantes
furacões. Um tempo de deserto escaldante sob os pés, de fogo queimando nas
entranhas, de punhais se lançando vorazes sobre o meu peito.
Jamais pensei que amar – e depois ser
desamado – pudesse ter consequências assim. É como se toda ternura tivesse se
transformado em outono, como se toda alegria tivesse se transformado em
angústia, como se toda esperança boa tivesse sumido em adeus. Não é fácil
anoitecer, adormecer nem acordar assim, assim depois da solidão do adeus e da
despedida sem haver adeus, apenas um fim pela palavra. Não é fácil recordar o
beijo e não ter mais, o abraço e não ter mais, o carinho e não ter mais, o amor
e não ter mais, o prazer e não ter mais. Não é fácil recordá-la deitada ao
leito, avistá-la deitada na cama, sentir ainda seu olhar chamando com palavras
doces.
Depois de te perder, de repente ter de
abraçar a solidão. E, como ainda diz Alceu Valença noutra canção: “A solidão é
fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos
relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão é
fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos
relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão é
fera, é amiga das horas, é prima-irmã do tempo, e faz nossos relógios
caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão dos
astros, a solidão da lua, a solidão da noite, a solidão da rua. A solidão é
fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos
relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração”.
Ontem mesmo anoiteci sem avistar lua e
estrelas, sem sentir a noite, sem nada sentir, apenas a voraz certeza de estar
sozinho, de estar sem a canção mulher. Além do noturno sombrio, a bruma da
solidão, a névoa escurecida no lugar da face de presença tão bela. A noite
inteira assim, entre pensamentos e pesadelos, entre saudades e distâncias. O
telefone foi meu inimigo, nenhuma mensagem chegou e nenhum sinal de sua
lembrança lembrando-se de mim. Acordei ainda na escuridão e levantei quase sem
caminhar. Por que é tão difícil assim depois de perder alguém que se ama tanto?
Não sei o que será de mim daqui em diante. Um
café, um cigarro, outro café e outro cigarro. Ao redor apenas o silêncio. Olho
ao lado e já não avisto meu amor, minha bela mulher, adormecida como anjo em
nuvem de ternura. Mais um café e mais um cigarro. Gostaria de ir até ali, até a
cama e beijar seus cabelos, seu corpo, acarinhá-la inteira. Mas não. Ela já não
está mais ali onde sempre amanhecia. Ela partiu e eu fiquei. E agora em mim
apenas a canção: como um gato gemendo no porão, solidão!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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