SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

SINOS QUE DIZEM AMÉM


*Rangel Alves da Costa


Os sinos bradam, os sinos badalam, os sinos dobram, os sinos chamam, os sinos dizem amém. Ao amanhecer ou anoitecer, nas capelinhas, nas pequenas igrejas interioranas, nos singelos templos do distante mundo, os sinos anunciam a fé, a devoção, a prece, a oração, a alegria e a tristeza.
Ao coração cristão, o dobrar dos sinos é como um relógio anunciando o instante da prece, da missa, do diálogo com Deus, mas também dos costumeiros afazeres do dia a dia. Ora, ao amanhecer, o toque do sino é sinal que o café já deve ser colocado à mesa. Assim também ao anoitecer.
Chegando lentamente, quase inaudível ou retumbante, a verdade é que o dobrar dos sinos despertam muito mais que o senso de fé e religiosidade. A cada dobrar e uma recordação chegando em dolorosa plangência. A cada tocar e uma saudade distante de alguém que não está presente. A cada toque uma canção singela vai invadindo o coração para dizer das coisas antigas.
Da sala ou da varanda da casa, no quintal ou na calçada, quando os olhos avistam a pequena torre da igreja em seu ecoar, é como se no alto os anjos ecoassem uma comovente prece. Tudo por instantes é esquecido. Ante a torre da igreja e o toque singelo dos sinos, tudo é momentaneamente esquecido. E o que resta é a certeza da proximidade daquilo que mais alimenta o espírito e a alma.
Maria procura seu oratório num canto de quarto, leva à mão uma vela, se dobra perante aquele céu de fé, ilumina sua noite e une as mãos para o ofício sagrado da devoção. Conversa com deus, com os anjos e os santos. Reza três Ave Maria, passa os dedos seguidamente pelo rosário de contas, e depois, enternecida, levanta abençoada.
Joana segue em direção à porta de trás e lá no quintal, quase num canto de cerca, cuidadosamente se benze, olha para o alto, como em lá em cima no céu já escurecido pudesse encontrar um altar cristão, e depois começa a orar. De mãos entrelaçadas junto ao peito, murmurando palavras sagradas, somente ela sabe o valor daquele gesto de todo dia. Depois pede pela saúde e a felicidade dos seus. Novamente olha para o alto antes de se benzer e retornar ao seu cuscuz de fogão de lenha.
Bastiana nem espera o sino tocar e já se dirige à porta da igreja. Esteja com visita em casa ou não, tenha panela no fogo ou não, de qualquer modo nada a impede de seguir até a igreja antes das seis da noite, horário que noturnamente o sino é ecoado. Com a igreja a poucos passos de casa, segue calmamente até adentrar e se ajoelhar perante o Cristo na cruz. Ajoelhada, com face contrita, baixa a cabeça rente as mãos sem palavras nem preces. Entra e sai sem nada balbuciar. Contudo, nenhuma prece foi pronunciada em mais alta voz que aquela partida de dentro do coração.
Seja de que modo for, a verdade é que o instante sagrado do tocar do sino possui maior importância no mundo interiorano do que se possa imaginar. Basta um leve tocar e as mentes e corações já despertam para os sinais. Logo surge à mente a oração, a prece, a devoção, o sentido da religiosidade, a adoração beatista, o clamor sentimental. A cada dobrar vai surgindo na mente a face de Deus, vai recolocando o fiel no seu sentido de vida. E assim por que outros pensamentos vão dando lugar à necessidade de refazimento espiritual.
Alvorecer ainda de pouco sol e ao longe a canção que chega ao coração. Anoitecer sem noite fechada e o dobrar dos sinos entrando nos lares, invadindo corações, chamando aos ofícios sagrados. As velas passam a chamejar, as mãos se entrelaçam, as contas do rosário são passadas em devoção. E em tudo um despertar jamais imaginado em outra situação. Por que no dobrar do sino a proximidade de Deus, o abraço à fé, o amém de cada dia.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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