*Rangel Alves da
Costa
Os sinos
bradam, os sinos badalam, os sinos dobram, os sinos chamam, os sinos dizem
amém. Ao amanhecer ou anoitecer, nas capelinhas, nas pequenas igrejas
interioranas, nos singelos templos do distante mundo, os sinos anunciam a fé, a
devoção, a prece, a oração, a alegria e a tristeza.
Ao coração
cristão, o dobrar dos sinos é como um relógio anunciando o instante da prece,
da missa, do diálogo com Deus, mas também dos costumeiros afazeres do dia a
dia. Ora, ao amanhecer, o toque do sino é sinal que o café já deve ser colocado
à mesa. Assim também ao anoitecer.
Chegando
lentamente, quase inaudível ou retumbante, a verdade é que o dobrar dos sinos
despertam muito mais que o senso de fé e religiosidade. A cada dobrar e uma
recordação chegando em dolorosa plangência. A cada tocar e uma saudade distante
de alguém que não está presente. A cada toque uma canção singela vai invadindo
o coração para dizer das coisas antigas.
Da sala ou
da varanda da casa, no quintal ou na calçada, quando os olhos avistam a pequena
torre da igreja em seu ecoar, é como se no alto os anjos ecoassem uma comovente
prece. Tudo por instantes é esquecido. Ante a torre da igreja e o toque singelo
dos sinos, tudo é momentaneamente esquecido. E o que resta é a certeza da
proximidade daquilo que mais alimenta o espírito e a alma.
Maria
procura seu oratório num canto de quarto, leva à mão uma vela, se dobra perante
aquele céu de fé, ilumina sua noite e une as mãos para o ofício sagrado da
devoção. Conversa com deus, com os anjos e os santos. Reza três Ave Maria,
passa os dedos seguidamente pelo rosário de contas, e depois, enternecida,
levanta abençoada.
Joana
segue em direção à porta de trás e lá no quintal, quase num canto de cerca,
cuidadosamente se benze, olha para o alto, como em lá em cima no céu já
escurecido pudesse encontrar um altar cristão, e depois começa a orar. De mãos
entrelaçadas junto ao peito, murmurando palavras sagradas, somente ela sabe o
valor daquele gesto de todo dia. Depois pede pela saúde e a felicidade dos
seus. Novamente olha para o alto antes de se benzer e retornar ao seu cuscuz de
fogão de lenha.
Bastiana
nem espera o sino tocar e já se dirige à porta da igreja. Esteja com visita em
casa ou não, tenha panela no fogo ou não, de qualquer modo nada a impede de
seguir até a igreja antes das seis da noite, horário que noturnamente o sino é
ecoado. Com a igreja a poucos passos de casa, segue calmamente até adentrar e
se ajoelhar perante o Cristo na cruz. Ajoelhada, com face contrita, baixa a
cabeça rente as mãos sem palavras nem preces. Entra e sai sem nada balbuciar.
Contudo, nenhuma prece foi pronunciada em mais alta voz que aquela partida de
dentro do coração.
Seja de
que modo for, a verdade é que o instante sagrado do tocar do sino possui maior
importância no mundo interiorano do que se possa imaginar. Basta um leve tocar
e as mentes e corações já despertam para os sinais. Logo surge à mente a
oração, a prece, a devoção, o sentido da religiosidade, a adoração beatista, o
clamor sentimental. A cada dobrar vai surgindo na mente a face de Deus, vai
recolocando o fiel no seu sentido de vida. E assim por que outros pensamentos
vão dando lugar à necessidade de refazimento espiritual.
Alvorecer
ainda de pouco sol e ao longe a canção que chega ao coração. Anoitecer sem
noite fechada e o dobrar dos sinos entrando nos lares, invadindo corações,
chamando aos ofícios sagrados. As velas passam a chamejar, as mãos se entrelaçam,
as contas do rosário são passadas em devoção. E em tudo um despertar jamais
imaginado em outra situação. Por que no dobrar do sino a proximidade de Deus, o
abraço à fé, o amém de cada dia.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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