*Rangel Alves da
Costa
Na roda ou no
passo, de lenta passagem ou na correria, de repente meu olhar se alonga para
avistar uma terna e entristecida poesia. Uma singela moldura: casebre pobre de
beira de estrada, fincado na triste distância do mundo.
Todos os
casebres que avisto sempre parecem com a mesma feição. Quase todos erguidos no
barro, na vara e cipó, com janela e porta, e uma solidão de remoer sentimento.
De telhado baixo, quase rente à portada, tudo tão envelhecido como a própria
vida.
O barro
caindo ali e acolá, a madeira da janela e porta já carcomida de idade, de vez
em quando palhas secas recobrindo as frestas muitas que se abrem nas cumeeiras.
Uma gaiola sem pássaro descendo da parede, um couro antigo de boi, um
instrumento de trabalho dependurado.
Ao fundo,
mesmo que o meu olhar nem sempre consiga avistar, certamente um quintal sem
cerca limitando o tamanho, pois tudo se juntando e se embrenhando na pouca mata
que se alonga adiante. Quintal de planta seca, de antigo pilão, de purrão, de
pedra de lavar roupa, de tronco de pau jogado num canto.
Um quintal
tão pobre quanto a pobreza do casebre e seus habitantes. Raramente uma galinha
cisca de canto a outro, um cachorro magro ladrando a solidão, um calango
passando em correria desenfreada, pois tudo assim: tão pouco, quase nada. Nada
de mamoeiro ou jaqueira, de goiabeira ou mangueira.
Há um
silêncio instigante em tudo. Imagina-se estar num mundo de mortos, de adeuses
dados e despedidas lacrimejadas. O vento sopra mais forte, vai trazendo folhas
mortas, bate e rebate no pequeno varal, mas nenhuma roupa para esvoaçar, nada
para levar, a não ser as notícias desalentadas de uma solidão de presenças.
Sim, uma
solidão de presenças, ainda que pouco se aviste vaca, cavalo ou jegue, ainda
que bicho de cria viva escondido acaso existente. E ainda que pouco se aviste
os habitantes daquelas distâncias tristes e solitárias. Certamente as vidas se
escondem por trás das portas ou estão mais além em busca de uma caça qualquer
para a comida do dia.
Já depois do
entardecer, quando a boca da noite se anuncia, ainda é possível divisar uma luz
anunciando o viver de lá dentro. Luz de candeeiro, de placa, de luminária a
gás. Também é possível sentir o cheiro de um café forte borbulhando no fogão de
lenha, de uma banha de porco esperando o ovo ou a tripa, de um cuscuz suando
seu delicioso sabor.
Mas quando um
cheiro assim não é sentido? O que fazem os habitantes desse mundo para
sobreviver, para enganar a barriga, para não adormecer no ronco da fome? Talvez
um resto de farinha, um pedaço adormecido de pão, um pedaço de qualquer coisa
que restou de outros restos. Triste imaginar que a mesma situação com a
presença de crianças, de folhos pequenos e até de colo.
As pessoas
que vivem nesse mundo também parecem todas iguais. Olhares profundamente
tristes, rostos magros curtidos de sol, mãos ossudas e pés calejados de ponta
de pedra e espinhos de chão. Mas o sorriso sempre aberto em gestos afetuosos
para receber todo aquele que bater à porta. E logo oferecem o tamborete, uma
xícara de café, um ovo, o que possam dispor para bem receber e agradar o
visitante.
Seus nomes
também parecem todos iguais. João bem que poderia ser Bastião, Pedro bem que
poderia Manoel, Maria bem que poderia Severina, Zefinha bem que poderia
Maralina. Enquanto isso o menino corre atrás do calango, brinca de ponta de
vaca, como o barro da parede. Buchudinho o danado.
Avistei uma
boneca de plástico, sem uma perna e já sem cabelos, estendida no meio do tempo,
perto de um umbuzeiro baixo e de folhas mortas pela seca, e logo a chegada em
correria de uma menininha tão bela como maltrapilha. Levantou a boneca do chão,
beijou nos seus restos, e a colocou em seus braços.
Já me
afastando, na caminhada que ia, eu olhei para trás e vi a menina ainda em pé
com a sua boneca. Acenou-me. Repetidamente. E molhei a terra seca com uma
lágrima que surgia em palavras: adeus!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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