*Rangel Alves da Costa
Já passei dos cinquenta anos. Pouca coisa,
mas passei. Mas o que a partir de agora direi, certamente servirá para todas as
idades, mesmo jovens e no gozo da mocidade.
E direi apenas que ainda dá tempo de fazer,
de refazer, de novamente buscar acertar ou tentar fazer melhor o que a
experiência ou os anos vividos puderem permitir.
Ainda há tempo de amar um outro amor
diferente do amor amado e que não deu certo. Um término de relacionamento não
pode ser visto como um fim do que o coração deseja ter.
Ainda há tempo de viver o ontem, de ser o
passado bom, de viver a infância, de ser o menino sonhador e o moleque traquina
e brincalhão. Os desejos e prazeres não morrem com a idade.
Ainda há tempo de escrever versos de amor em
bilhetes, de colher flor no jardim, de versejar uma estrofe amorosa e,
furtivamente, colocar a bela recordação numa janela amada.
Ainda dá tempo de tomar banho na chuva,
totalmente nu debaixo da chuva, de braços abertos e cantarolando um silêncio de
felicidade. O mais belo reencontro com a liberdade do corpo e da alma.
Ainda há tempo de querer o arco-íris, de
querer beijar a lua, de querer acariciar estrelas, de subir pelos espaços em
busca dos misteriosos desconhecido. E, no alto, sentir-se como um Pequeno
Príncipe.
Ainda dá tempo de correr pelos campos, de
deitar sossegadamente sobre a relva, de beber água fresca na fonte, de se
encantar com as borboletas dos campos. E depois dizer a si mesmo que é feliz.
Ainda há tempo de desejar goiabada com
queijo, de sonhar com doce de coco na sua maciez de sabor, de querer doce de
leite de bolas grandes. E se lambuzar e se fartar com tantas delícias da vida.
Ainda dá tempo de acordar logo cedinho e
descalço correr à janela, para logo sentir de adiante o sopro maravilhoso da
brisa do amanhecer. E pular a janela para ir conversar com os pássaros, com as
borboletas e os colibris.
Ainda há tempo de ter cavalo de pau, bola de
gude, peteca baleadeira, casinha de boneca, boneca de pano, brinquedo de barro
e castelos de areia. Ainda dá tempo de tudo isso por que jamais perece a alma
menina do coração.
Ainda dá tempo de dizer a si mesmo que vai
conseguir, que vai conseguir, que não vai parar enquanto aquele objetivo não
for conquistado. Pelo desejo muito se sonhou e muito foi conseguido, por isso
que sempre ainda há tempo para querer algo mais.
Ainda há tempo de regar o jardim, de cuidar
dos canteiros, de afastar os intrusos, de preservar aquilo que tanto bem faz ao
olhar e ao coração. E depois, de rosa à mão, ter a certeza que o cultivo do bem
traz a certeza da melhor colheita.
Ainda dá tempo de bala de mel, de picolé de
graviola, de sorvete de coco, de jujuba e pé-de-moleque. Os desejos, os gostos
e os sabores, não se perdem no tempo. E se é o adulto que deseja, então que o
menino ainda existente vá saborear seu doce prazer.
Ainda há tempo de tentar não mais pisar em
espinhos, de não deixar que encubram de panos seu arco-íris, de não permitir
que o brinquedo seja jogado no lixo. Ora, as pequenas coisas devem sempre ser
preservadas para se ter os prazeres no instante que se desejar.
Ainda há tempo vestir aquela roupa velha,
rasgada, desbotada, toda sem jeito de ser, mas que tanto carinho e conforto
provocam no corpo. Como aquele Pé de Laranja Lima do menino Zezé, coisas
existem que são inseparáveis e insubstituíveis.
Ainda há tempo de ser feliz. Sim, muito
feliz. Tempo de não deixar que a dor enclausure os sentimentos nem que as
lágrimas provoquem um mar de angústias na lama. Um tempo de sorrir e de cantar,
de viver e amar. Ainda há um tempo assim em cada ser.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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