*Rangel Alves da Costa
Não sei de onde aparecem tantos gatos. Tenho
certeza que mais de mil. Durante um dia, apenas um ou outro são avistados pelas
calçadas e esquinas, mas depois do anoitecer há uma verdadeira invasão de
gatos.
Gatos brancos, gatos pardos, gatos pintados,
gatos amarelados, gatos pretos, gatos cinzentos, de todas as formas e cores de
gatos. Algo realmente inacreditável. De todos os becos os bichanos vão
surgindo, se reunindo, parecendo dialogar sobre a forma de como aterrorizar as
pessoas naquela noite.
Só pode ser um complô de felinos, não há como
pensar diferente. Depois disso, vão se espalhando aos montes, às dezenas,
centenas, aos montes, subindo pelos muros, pulando janelas, entrando por
qualquer passagem de porta ou portão. E então ninguém tem mais sossego daí em
diante.
A noite inteira, madrugada adentro, até
romper a aurora, e a gataria com seus gritos, miados, gemidos, agouros, cios
insuportáveis. Remexem em telhados, viram móveis, sujam tapetes, lambuzam tudo
o que encontrarem pela frente.
Rápidos, velozes, somem num raio como
enxotados, mas para retornarem no instante seguinte. E quando tudo já parece
sem as suas insuportáveis presenças, eis que os seus gemidos ecoam bem ao lado,
como que propositalmente. E assim todos os dias, todas as noites, na vida sem
sossego ou paz por causa da gataria.
Alguns vizinhos já tomaram atitudes drásticas
com relação a isso. Utilizaram-se até de espingardas para espantar os bichanos.
Outros mantêm varas pontiagudas para enfrentá-los. Fala-se até em uso de
chumbinho em alimentos pelos cantos dos muros. Se um ou outro morre ninguém sabe.
Ou ninguém diz. Sequer se espalha a fedentina de bicho morto.
Mas a verdade é que ninguém suporta mais
tanto aperreio provocado pelos peludos, endiabrados, intoleráveis mesmo. O pior
é que não surge nenhum dono para ser chamado à atenção ou culpado, ao menos em
parte, pelas algazarras noturnas.
Diz que gato na noite assombra, assusta, traz
presságio ruim, ecoa sempre um mau agouro. Ao lado do mito, da lenda ou crença
popular, a verdade é que provoca mesmo uma terrível danação.
Fato é que se torna muito difícil repousar
quando se tem pelo telhado o passeio aterrorizante do bichano. Nunca se
contenta em zanzar silenciosamente de canto a outro, em fazer seus passeios
noturnos sem importunar a vida dos seres humanos.
Acha-se sempre no direito de fazer da noite e
da madrugada seu festim alarmante, tenebroso, intolerável. E daí vai soltando
seus lamentos, e então vai gritando suas dores, e então vai ecoando seus gemidos,
acordando a escuridão com suas funestas vozes.
De cima da casa ao seu interior, sobre tudo o
gato se acha no direito de propriedade. Invade, toma de assalto, vai destruindo
tudo por onde passa, vai espalhando terror a cada passa que dá. Destelha casas,
torna tudo em uma só fedentina. Só falta mesmo que estilhaços caiam e se
espalhem por cima das camas e pessoas.
E num instante um som terrível do telhado,
bem em cima da cama onde a pessoa tenta adormecer. E de repente o barulho de um
jarro caindo, de uma taça sendo lançada ao chão. Quando a pessoa corre para
saber o que aconteceu só encontra a destruição. E o gato certamente estará bem
ao lado escondido.
Daí uma certeza irrefutável. Os gatos são os
seres mais insuportáveis que possam existir. Fantasmas, almas do outro mundo,
visitantes noturnos, meliantes, puladores de muros, extraterrestres, seja lá o
que for, tudo será sempre menos insuportável que gatos reunidos exclusivamente
para atazanar sossegos e vidas.
Adiante do telhado, lá em cima, sempre há uma
lua bonita e estrelas que brilham majestosamente. Mas nada disso possui
significação ao bichano. Seu único prazer é não deixar que a noite do humano
seja de sono, repouso e sonho.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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