*Rangel Alves da Costa
Aos domingos, em grande parte das residências
é dia de uma comida especial, diferenciada, mais apetitosa ou apenas para sair
da rotina. Um dia de macarronada, de lasanha, de strogonoff, de cozidos gordos,
de lombos assados, de iguarias de todo jeito.
Mas ali, naquela casa, o domingo vai passar
sem macarronada, lasanha, strogonoff, cozidos gordos, lombos assados, sem
qualquer tipo de iguaria. Já não teve nada para o café da manhã, certamente não
terá para o almoço e a janta.
Aliás, em muitas moradias se torna
absolutamente desnecessário que se use os termos café da manhã, almoço ou
janta, para nomear as normais refeições do dia. Nestas residências
empobrecidas, de miséria absoluta ou chegando a este patamar, é apenas o de
comer. O de comer na manhã, ao meio-dia, depois da boca da noite.
Amanhece e anoitece sem ter o de comer. Sem
ter o de comer na panela, no prato, em riba da mesa. O adulto sofre,
entristece, fica agoniado, mas acaba suportando forçadamente. Mas diferente
quando há criança que precisa ser alimentada.
Nada mais triste que um lar onde a criança
passa fome pela ausência absoluta de comida, onde a infância esmorece por falta
de alimento, onde a pele chega ao osso por falta de pão. E também nada mais ao
pai e à mãe ouvir o choro do seu e nada ter para aliviar a fome.
Nestes lares, em tantos lares espalhados
pelas distâncias, sertões adentro e escondidos do meio do mundo, não há farinha
seca muito menos feijoada, não há pão com ovo e muito menos risoto, não há
tripa assada com farinha e muito menos frango ao molho pardo.
Casa de barro, levantada na ripa e no cipó,
com móveis de tamborete, de tronco e resto de madeiro, com esteira fazendo às
vezes de cama, com fogão de lenha e prato de plástico ou alumínio, não conhece
a fartura nem o sabor da macarronada ou da carne frita bem temperada.
Sorte na vida quando há fubá de milho para um
cuscuz, uma papa, um mingau. Vida feliz quando há um pão, uma bolacha, um
bolachão, um pedaço de qualquer coisa. Grande acontecimento quando a panela
ferve e nela uma carne com água e sal, tempero e um cheiro bom que chega a se
espalhar pelos ares.
Mas no domingo nenhum macarrão, nenhuma
macarronada, nenhum sarapatel, nenhum buchada, nenhum frango assado ou cozido,
nenhum pernil de porco. Nenhuma cerveja, nenhum guaraná, nenhum vinho, nenhuma
bebida gelada. Mas a mesma família de carne e osso como as demais famílias. Mas
no prato a diferença.
Não significa dizer que as famílias
empobrecidas vivam na eterna penúria, sem comida à mesa ou algum alimento no
seu dia, mas tão somente que sua sobrevivência é muito diferente daquela de
mercadinho, de feira, de compra disso ou daquilo. E no domingo o nada ou quase
nada como alimentação.
Convidados não chegam aos casebres para o
almoço, churrasqueiras não são abrasadas nas casas pobres e tristes, isopores
não são preparadas para guarnecer bebidas nas casas carentes de quase tudo. Há
mesas, porém nelas o vazio perante olhares que tantas vezes choram suas
carências.
Quando há quintal e neste duas ou três
galinhas, talvez o almoço seja exatamente farofa de ovo, ovo com pão, ovo com
cuscuz, ovo com ovo. Acaso a galinha vá pra panela, em dois ou três dias e
novamente a fome sobre a mesa e sem o ovo do dia a dia. Por isso a pobreza tudo
faz para não puxar o pescoço daquela que lhe forneça a esperança do alimento.
Enquanto isso, enquanto a mesa vazia se
mostra imensa perante barrigas vazias e olhares entristecidos, talvez as sobras
do fausto almoço dominical sejam logo lançadas em lixeiras, em sacos plásticos
em vasilhames para os monturos. É o desperdício diante da fome.
Mas assim mesmo a vida. Enquanto uns
adormecem depois do farto e sortido almoço, outros apenas tentam enganar, de
olhos abertos ainda que adormecidos, a fome mais feia do mundo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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