*Rangel Alves da Costa
Já escrevi alguns textos sobre Nanô, um
vendeirim fincado nos sertões sergipanos de Poço Redondo, cuja especialidade de
seu botequim é a famosa casca de pau. Também vende cervejas, refrigerantes e
outras bebidas, mas sua especialidade é mesmo a mistura de cachaça de engenho,
legítima, branquinha mesmo, à raiz, casca e folhas de pau.
A especialidade de Nanô possui freguesia
garantida. Desde as primeiras horas do dia, até mesmo antes que surja qualquer
raio de sol, e já chegam ao pé de balcão em busca de uma talagada boa de
angico, de umburana, de cidreira, de hortelã, de ameixa, dentre tantas outras
que vão apurando cada vez mais na garrafa. E possuem serventia desde como simples
aperitivo à cura de enfermidades, segundo a crendice popular.
Mas na Nanô, já na altura dos seus mais de
oitenta anos, não é fácil de lidar. Diferentemente de outros donos de botecos
que tudo fazem para agradar a clientela, Nanô é de pouca conversa, é homem de
cisma e de não aceitar de bom grado que ali chegue todo tipo de cliente,
principalmente os costumeiros maus pagadores. Também não gosta que se demorem
muito no seu pé de balcão nem que cheguem com dinheiro graúdo demais para pagar
a conta do já bebido.
Neste último sábado estive com ele, um velho
amigo de outras datas. No seu botequim já tomei muita cerveja, já experimentei fartamente
muita casca de pau, já proseei demoradamente, ainda que soubesse o quanto
difícil é tirar causos e proseados de sua boca. Fui lá encher um garrafa de
cachaça, ou melhor, colocar mais aguardente numa mistura já pronta e com gosto apurado
demais. Não estou bebendo, mas sempre tenho cachaça sertaneja para oferecer aos
visitantes do Memorial Alcino Alves Costa, entidade de preservação cultural que
administro na cidade de Poço Redondo.
Chego ao sertão sergipano geralmente às
sextas-feiras e por lá permaneço até o entardecer de domingo. Assim que chego,
logo chega um amigo ou outro para uma visita, para uma conversa, para tratar de
qualquer assunto, e então encontra numa das mesas uma fartura de aguardente
legitimamente sertaneja, que é a cachaça misturada com raiz, casca ou folha de
pau. Tem gente que vai só beber, e muitos deles logo cedinho, coisa de cinco ou
seis da manhã. Mas sirvo com prazer. E foi por isso que fui até o botequim de
Nanô para reencontrá-lo e prover o memorial de bebida sertaneja.
Lá no botequim, enquanto o vendeirim se
esmerava em encher o litro, logo cuidei de registrar o ato em algumas fotografias,
mesmo sabendo que ele não gosta de ser retratado. Mas não disse nada. Olhou e
até sorriu, como se disse que esse aí é meu amigo e então vou deixar. E ontem,
ao rever tais retratos, escrevi alguma coisa e postei em rede social com os
seguintes dizeres:
“Pra toda arripunação e qualquer tipo de dor,
não há remédio melhor que o do balcão de Nanô. Dor de corno sofredor, dor por
que a mulher deixou, então não há o que fazer senão o balcão de Nanô. Dor da
saudade que chegou, dor da tristeza que encostou, então vai buscar alegria bem
no balcão de Nanô. Também se não tem remédio nem no hospital tem doutor, a cura
é alcançada lá no balcão de Nanô. Mas é preciso cuidado, um conselho que lhe
dou: não leve dinheiro graúdo nem saia de lá devedor, ou terá de suportar o mau
humor de Nanô”.
Já retornei do sertão, mas tenho certeza que
as palavras junto com uma das fotografias, ontem mesmo chegaram ao seu
conhecimento. E também tenho certeza de sua aceitação, de seu sorriso e de sua
palavra dizendo “aquele num tem jeito não”. E todos gostam das singelas
reverências que faço a ele, tanto assim que suas familiares compartilham e até
guardam como lembranças. Quando chego lá, então logo ouço os comentários e as
risadas. Daí o meu contentamento em registrar esse cotidiano tão sertanejo como
a minha própria vida e o meu jeito de viver.
Abraço, amigo Nanô. Que Deus lhe permita viver
muito mais e ainda molhar muito fundo de copo com sua legítima casca de pau.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário