*Rangel Alves da Costa
Casebres, silêncios e solidões. Talvez
poético demais para visões de uma realidade tão belamente entristecedora. Sim,
pois nos silêncios e nas solidões dos casebres sempre um misto de angústia e encantamento.
Conheço um mundo assim, paisagens assim, tudo
assim tão silêncio e tão solidão. Um mundo nas beiradas das estradas, nos
afastados dos caminhos e até no meio da mataria. Sempre um casebre tão
silencioso quanto solitário.
De passagem em transporte ou mesmo a pé, nas
vezes que de chinelo no pé eu vou trilhando os caminhos do meu sertão, não
demora muito e logo avistando um casebre que nunca parece que tem morador.
Sempre a porta e a janela fechadas, sempre ausências.
Do amanhecer ao anoitecer sempre assim.
Raramente se avista uma janela entreaberta ou uma porta escancarada e com sinal
de presença humana. Comumente a solidão e o silêncio emoldurando as humildes,
rústicas, rotas, carcomidas e tristes moradias sertanejas.
Por vezes, tudo acaba se mostrando em nudez
realista. Logo vem a informação de que aquela família arribou no meio do mundo
depois da seca medonha, duradoura demais para suportar sem ter nem comida pra
gente e muito menos para o bicho. A lástima da pobreza.
Em situações assim, onde não há mais como
tirar nem da terra nem do tanque o tiquinho tão necessário à sobrevivência,
então não há o que se fazer senão dar adeus ao chão amado. Então os casebres
vão ficando para trás enquanto as famílias e farrapos se vão.
Diz-se, então, que há não só o silêncio e a
solidão como um luto forjado no sofrimento em vida. Casebres que eram a vida e
o leito de tantos, mas tendo que ser abandonados e deixados aos desvãos. E do
que fica somente as sombras de tantas histórias e de tantas lutas.
Noutras situações, os silêncios e as solidões
são na presença de vidas, daquelas pessoas e daquelas famílias que jamais
arredaram o pé do lugar. Tudo aparenta abandono, ausência de qualquer morador,
mas ali vidas nos seus pequenos afazeres cotidianos.
João, Maria, Lúcia, Dasdores, Juquinha,
Lucrécia, Guiomar, Balinha, Tiziu, Beraldo, Filismina, Fabiano, Dorinha,
Zefinha, Peloco, nomes e nomes, pessoas e pessoas, vidas tão dignas como
empobrecidas, naquelas paredes de barro e cipó repousando suas vidas sofridas.
Lá dentro, dentro das quatro paredes, quase
um mundo aberto e sem nada, ao desvão, na desvalia. Ali somente o pote de
barro, a moringa de barro, o alguidar de barro, a vida de barro. Ou ainda a
mesinha de tosca, o tamborete de tronco de pau, a cama de duro varal.
Vidas de fogão de lenha, de quintal com pouca
galinha, de pilão de pisar café e todo grão surgido, de pé de mastruço, de purrão
para juntar água numa chuva de sorte que caia, de varal de roupa velha, de
pedra de amolar facão, de mamoeiro que nunca dá um só fruto.
Tudo tão pouco e quase inexistente que as
vidas lá de dentro parecem nem existentes. Apenas quando alguma fumaça de
toucinho sobe pelos ares é que se imagina a existência de morador por trás
daquelas portas e janelas fechadas. Desde a aurora ao negrume é assim.
Dificilmente as portas e as janelas são
avistadas abertas. Também difícil encontrar uma cadeira de balanço debaixo de
um pé de pau ou mesmo qualquer pessoa sentada em tamborete defronte aos
casebres. De vez em quando um menino corre atrás de um calango.
Lugares de calangos igualmente solitários, de
preás tão solitários quanto suas locas de pedras. Depois do anoitecer, então o
grilo começa a entoar sua repetitiva canção como se querendo ser ouvido de
qualquer jeito. Um vaga-lume acende sua luz, um candeeiro se apaga.
Assim as vidas nos casebres tristes e
abandonados, assim a existência nos casebres silenciosos e solitários. Assim o
viver de muitos pelas beiradas dos sertões e mata adentro. Pessoas que vivem
como se não existissem. Existências que se escondem dentro do próprio viver.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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