*Rangel Alves da Costa
Antigamente, quando as terras de eréu e os
latifúndios se perdiam de vista, numa distância que nem os que se diziam
proprietárias sabiam até onde verdadeiramente chegavam, os limites eram
estabelecidos no olho, na conveniência ou, como mais geralmente se fazia,
escolhendo-se um marco divisório qualquer. Daí que não raro tais possuidores
afirmarem que suas terras ficavam numa distância até perto da curva de uma
estrada ou da casa velha do finado Ambrosino.
Não havia definições exatas, fato que gerou e
continua gerando controvérsias, disputas, até vinditas de sangue, pois os
problemas nas limitações das terras, somado às espertezas de tantos, faz com
cercados sejam derrubados na violência e arames cortados a facão. Muitas são as
inimizades criadas assim, acrescentando-se a isso o fato de muitos pequenos
proprietários serem forçados a abandonar seus cercadinhos debaixo das ordens
ameaçadoras dos coronéis donos do mundo. Ora, nada possuíam que comprovasse os
exatos limites daquelas dos poderosos.
A verdade é que por muito tempo perdurou a
noção dos limites por meio de marcos geográficos, como serras, rios e riachos.
É uma questão que vem desde a divisão do território brasileiro em capitanias
hereditárias, passando às sesmarias, aos eréus e depois aos latifúndios. Até os
dias atuais persistem os litígios acerca de limites entre estados, municípios,
bem como propriedades particulares. O estado de Sergipe, por exemplo, até hoje
reclama das terras usurpadas pela Bahia no seu território. Do mesmo modo,
muitas dúvidas ainda prosseguem sobre os reais limites entre um estado e outro.
Quando a divisa entre um estado e outro é
feita através de marcos geográficos, principalmente rios, não há que duvidar de
sua certeza, como ocorre entre Sergipe e Alagoas. Contudo, nem sempre assim
acontece. Noutros casos, somente através de registros precisos se torna
possível ter a noção de onde terminam as terras de um estado e começam a de
outro, como é o caso de Sergipe e Bahia. Noutras situações, a povoação
territorial vai sendo de tal modo desordenada que habitantes de um estado
acabam fixando residência além da divisa e com isso acabam agregando as
propriedades às suas terras de origem.
Problemas de monta dizem respeito também aos
limites intermunicipais. Muitos municipais mantêm acirradas disputas com seus
vizinhos pelas divisas ora usurpadas ora estendidas. As incertezas ou as
espertezas de muitos acabam gerando questões que afetam as próprias soberanias
municipais. Situações existem onde os serviços e as obras de um município são
estendidos além de suas fronteiras, o que é sempre visto como uma tentativa de
invasão territorial, ainda que o município reclamante sempre negligencie o
atendimento àquelas famílias atendidas.
Entre Canindé de São Francisco e Poço
Redondo, por exemplo, por muito tempo ocorreram dúvidas acerca de suas reais
limitações. Como se sabe, Poço Redondo é territorialmente o maior município de
Sergipe, fazendo divisa com a Bahia, Alagoas e municípios sertanejos de
Sergipe. E mesmo que Canindé de São Francisco também seja município de grande
extensão, não faz muito tempo que um prefeito, de olho grande nalgumas riquezas
turísticas de Poço Redondo, resolveu, por conta própria, estender seus limites,
marcando a divisa com sinalização em placa. O objetivo era abarcar em Canindé a
Gruta do Angico, localizada em Poço Redondo e onde foram chacinados Lampião e
parte de seu bando.
A administração municipal de Poço Redondo não
gostou da afronta e da atitude desrespeitosa do prefeito vizinho, então
requisitou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) um novo
estudo para estabelecer os reais limites da divisa. Terminado o levantamento,
em direção a Canindé o município de Poço Redondo teve acrescido uns poucos
quilômetros, o que significou o aumento de sua extensão territorial e a
diminuição do outro. Não obstante isso, os problemas continuaram, não mais com
relação aos limites territoriais, e sim no que diz respeito aos limites
administrativos.
E assim por que a ausência de Poço Redondo no
atendimento a serviços básicos de sua população mais distante, fez com que, num
passado recente, o administração de Canindé realizasse construção de escola, e
talvez até de posto de saúde, além de sua divisa, de modo a atender uma
população entremeada de canindeenses e poço-redondenses. Dessa vez Poço Redondo
não reclamou, pois ciente de sua negligência perante aqueles moradores. Mas
ainda hoje, já na região que vai além do Alto Bonito, acaso alguém pergunte a
qual município pertence aquelas terras e moradias, todo mundo vai dizer que
Poço Redondo, mas basicamente administrado por Canindé.
Por falar nisso, a Gruta do Angico é
localidade turística da cobiça de tantos que até mesmo o município alagoano de
Piranhas, no outro lado São Francisco, vende sua destinação como se lhe
pertencesse. Propagandas existem onde se diz que a localidade onde teve fim o
cangaço fica nas terras alagoanas de Piranhas. Assim acontece pela ausência do
próprio município perante o seu patrimônio e suas riquezas. Como Poço Redondo
nunca cuidou daquele destino turístico, então chegam Canindé, Piranhas e empresários
querendo se arvorar de donos. E realmente exploram como se donos fossem.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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