*Rangel Alves da Costa
Existiram quantos Lampião? Sim, aquele mesmo
nascido Virgulino Ferreira da Silva, quantos existiram?
Ora, ante o emaranhado que se tornou a
história do cangaço, perante os labirintos que a todo dia colocam a saga dos
homens das caatingas, há de se perguntar quantos Lampião existiram.
Diante das histórias e mais histórias, ante
as lendas e os mitos que se propagam a seu respeito, diante das inúmeras
versões para os mesmos fatos, não há como não perguntar quantos Lampião
existiram.
As datas sobre alguns eventos de sua vida são
tão discordantes que até parecem se tratar de pessoas diferentes. Igualmente
com relação à sua infância, ao seu batismo, à sua criação. Para muitos até
Lampião já nasceu cangaceiro.
Vários, muitas pessoas, num só ser humano.
Assim com Virgulino Ferreira da Silva, mas principalmente com Lampião. O herói,
o bandido, o religioso, o facínora, o covarde, o estrategista, o líder, o
dominado, o carrasco, o comedido, tudo isso numa só pessoa.
Tudo isso numa só pessoa, num só Lampião, por
que é assim que sua imagem é propagada, segundo a intuição da pessoa que de um
modo ou outro o concebe. O mais espantoso é que dificilmente Lampião é visto a
partir dele mesmo.
Comumente, a história trata o homem pela sua
saga e não pela sua sina. Desse modo, Lampião é quase sempre estudado e
definido como o cangaceiro. Apenas. Lampião cangaceiro, líder de bando,
carrasco, a frieza peçonhenta das matas.
Mas também como o injustiçado, como o ferido
desde o seio familiar, como o odioso levado pela vingança. Ainda neste sentido,
o homem já gestado em meio à violência e, portanto, o cabra marcado a se eximir
de si mesmo para conviver com outra realidade.
Daí uma indagação: Quantos pesquisadores,
estudiosos do cangaço e pesquisadores, já se voltaram mais para Virgulino, o
homem, e não priorizaram tanto Lampião, o cangaceiro? A verdade é que a
história do mito de vez em quando se esquece da origem.
E assim por que além do Lampião em si, o
cangaceiro das caatingas, existia um homem chamado Virgulino Ferreira da Silva.
E somente se conhecendo a história do homem é que se pode chegar ao
desvendamento daquilo que o destino lhe reservou.
A construção da história do homem através da
história do mito, invariavelmente provoca a construção de identidades
diferentes, contraditórias, até que se negam a si mesmas. Uma hora Lampião é o
devoto e temeroso dos castigos de Deus, outra hora é o que observa passivamente
crianças sendo lançadas ao alto para serem apanhadas pela ponta do punhal.
Nada de exagero. É assim que dizem, seja
mentiroso ou não. O Lampião devoto de Padre Cícero e de Nossa Senhora, mas ao
mesmo tempo aquele que consentiu com as maldades de Zé Baiano, o carrasco
ferrador.
Então, quantos Lampião existiram? Há o Lampião
que foi morto na chacina do Angico, há o Lampião que foi envenenado, há o
Lampião que sequer estava no coito sangrento naquele alvorecer sertanejo, há o
Lampião que fugiu, há o Lampião que morreu já centenário lá pelas Minas Gerais.
Então: quantos Lampião existiram?
Dizem até que Lampião foi comunista. Dizem e
tentam provar. E também aquele Lampião “amulezado”, segundo a insanidade de
alguns. Contudo, o mais difícil mesmo parece mesmo é conhecer aquele Virgulino
antes de se tornar Lampião.
Afirmar simplesmente de seu banditismo é
prova maior do total desconhecimento de sua história, principalmente familiar.
Afirmar de seu heroísmo é igualmente desconhecer das maldades consentidas e
pactuadas enquanto líder maior de seu bando.
Então, quantos Lampião existiram? Tal
resposta certamente jamais será obtida. Prova maior é que todo dia surge um
novo livro contando a história de um Lampião diferente.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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