*Rangel Alves da Costa
A cada ano, como uma diversa revoada, o
período que antecede os festejos juninos vem trazendo consigo o cheiro das
priquitinhas. Cheiro forte, marcante, bem característico de todo chinelo, sandália
ou alpercata de couro cru.
São as priquitinhas juninas que são trazidas
de outros estados - principalmente Bahia e Pernambuco - e passam a fazer parte
das paisagens aracajuanas, pois estão por todo lugar, em toda esquina, debaixo
de cada marquise.
Ainda são poucas pela cidade. Apenas num ou
noutro lugar é possível avistar algum vendedor carregando penca de priquitinhas
ou mesmo com elas expostas ao chão. Talvez seja a crise que também tenha
alcançado os produtores artesanais dessas chinelas tão apreciadas pela
população nordestina.
Mas a tradição do comércio dessas chinelas
deverá se acentuar nos próximos dias ou semanas. O São João já se aproxima, as
bandeirolas já enfeitam as lojas, os enfeites juninos já são avistados de banca
a banca. E uma coisa que não pode faltar é a priquitinha.
E não pode nem deve faltar por muitos
motivos. Não há São João, Santo Antônio ou São Pedro, sem priquitinha. Não tem
sentido algum arrastar os pés por algum salão forrozeiro sem que seja levando
consigo o cheiro da priquitinha. Todo nordestino que se preza faz da
priquitinha sua companhia de toda hora no período festivo.
As priquitinhas são inseparáveis das mais
autênticas quadrilhas juninas. Estão nos pés tanto dos dançadores como dos
tocadores de forró. Os turistas, principalmente estrangeiros, ficam encantados
quando se deparam com uma priquitinha nova, bem trabalhada, sedosa, com o seu
cheiro tão peculiar e atraente.
Como diz o outro, tem até gente que não
gosta, mas nunca houve nada melhor que ter uma priquitinha para usar nas
devidas ocasiões ou mesmo a qualquer momento do dia. Não há contraindicação,
somente proveito e prazer. Quando nova ou de pouco uso, a priquitinha é sempre
leve, um pouco apertada, mas logo amaciada pelo uso.
Tem gente que ansiosamente espera esse
período apenas para comprar seis ou mais priquitinhas e assim ter sempre
reserva para usar o ano todo. Quando perguntado o porquê de tanto gosto pela
chinelinha de couro cru, logo responde: Ora, se não tenha da outra, o jeito que
tem é usar dessa priquitinha mesmo. Ao menos o nome e o cheiro me fazem lembrar
alguma coisa.
Sem pretender erotizar a seriedade do texto,
a verdade é que não se pode negar que a denominação de priquitinha a esse tipo
de sandália de couro surgiu mesmo como referência à genitália feminina. Por
motivos que não exigem maiores esclarecimentos, diziam que o cheiro da sandália
nova era o mesmo da outra priquitinha em determinadas situações.
Deveras, peculiar é o cheiro da priquitinha
junina. Mas neste aspecto, também em situações diferentes, pois apresenta
cheiros diferenciados segundo seu estado de uso. Quando nova, intacta, a
sandália possui o cheiro forte e adocicado, levado ao odor de suor. O mesmo
cheiro sempre presente nas selas de couro cru, nos rolós, nos chapéus, nas
indumentárias feitas pelos artesãos do couro. Só que com menor acentuação,
menor exalação.
Com a constância do uso, a priquitinha vai
perdendo a estranheza do cheiro forte. Sequer é sentido qualquer fragrância
marcante. Apenas com o suor dos pés é que ela retoma um pouco de seu aroma
suarento. Contudo, tudo desanda quando ela é molhada. Então é um deus nos
acuda. E há até gente que diga que já não cheira mais a priquitinha, mas a
outra coisa no mesmo sentido.
Realmente, quando a priquitinha, já usada,
afadigada de tanto pisar, está molhada, passa a exalar um odor quase
insuportável. Todo o cheiro é redobrado, triplicado, tornado quase em
putrefação. Daí que muitas vezes os salões forrozeiros ficam empesteados da
mistura do suor e das sandálias de um couro ainda cru, molhado e ainda secando
ao sol.
Mas nada disso afasta o gosto e o prazer de
estar usando um desses chinelos de couro. É a aparência junina amoldada ao
conforto que ela proporciona. Igualmente se diga com relação à aparência
matuta, caipira, nordestina e sertaneja. E gente há que possui uma alma
nordestina tão grande que sempre usa chapéu de couro e alpercata de couro cru,
mesmo nas capitais.
Contudo, não se vista mais a quantidade de
vendedores de tempos atrás. No passado, essa época do ano era de ruas completamente
tomadas por pessoas carregando pencas de priquitinhas. Agora são em número bem
menor, mas oferecendo sempre, e a preço bom, o chinelo ao gosto da freguesia.
Será a feição junina em tempos novos que vem
diminuindo suas tradições tão próprias? Também. Exemplifica-se em muitas
situações, desde a ausência do autêntico forró à nudez das ruas outrora
enfeitadas de bandeirolas.
Os dias e as noites juninas não são mais
aquelas. As fogueiras foram praticamente esquecidas, as comidas típicas
escassearam. Os fogos já não passeiam mais nos céus como antigamente. Apenas um
mês. Um mês e suas priquitinhas para fazer relembrar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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