*Rangel Alves da Costa
Compadre, comadre, viajante, forasteiro,
qualquer pessoa que venha ou que vá, nem precisa se anunciar, saia do sol e da
chuva, entre. Entre, não se acanhe, pode entrar.
Nada de oi de casa nem de oi de fora, quem na
porta bate ou se achega nesse cantinho humilde beirada de estrada, é por que precisa
ser recebido. Então não se acanhe, pode entrar.
A casa é simples, na humildade de Deus, mas não
falta a guarida, a porta aberta, o pão, a xícara de café, o proseado. Sentar em
tamborete e beber água em caneco, matar a sede e a fome.
Por estas vastidões de meu Deus, eis que
passa boi, passa boiada, passa carreiro, passa carro-de-boi, passa caçador,
passa retirante, passa andarilho, passa de tudo. Mas é o mundo distante,
solitário, por isso mesmo pode bater à porta.
Mais adiante, depois da beirada da estrada,
há um umbuzeiro grande, de copa larga, sombreado. Noutros idos, até cangaceiro
se arranchava ali. Não se sabe bem como nem quando, a verdade é que ainda hoje
há uma cruz fincada na terra com um nome na madeira apodrecida: Beija-Fulô.
Comadre Mariazinha acabou parindo ali. Quando
compadre descambou mais de riba trazendo ela sentindo dor de parir, e logo numa
jumentinha manhosa, quando chegou debaixo do umbuzeiro o animal empacou e não
teve jeito. Ali mesmo ela pariu.
Também contam muitos causos de assombração,
de visagem, de coisa de outro mundo, por aquelas bandas. Dizem até que toda
noite é avistada uma rede se balançando debaixo do pé de pau. Ela só não
aparece acaso alguém passe por lá antes do anoitecer e acenda uma vela.
Mas não acredito nisso não. Moro pertinho e
nunca vi nada disso. E quem não acredita mesmo é o compadre Serapião, pois toda
vez que se embebeda acabou dormindo ali. E depois nunca contou ter avistado qualquer
rede se balançando ou alguma alma do outro mundo futucando seu pé.
Coisa da noite em diante, pois depois que o
galo canto tudo se transforma novamente na mesmice de sempre. Nada acontece de
novo por aqui, ou parece que não acontece mesmo. A novidade vem sempre pela
estrada, na poeira da curva, na passagem de alguém. Só isso.
Por aqui, quem não tiver rádio de pilha fica
sem saber até que o mundo adiante existe. Tudo o que chega como notícia é
sempre trazido por algum forasteiro, alguém viajante. Por isso que gosto quando
batem à porta e começam a falar daquele outro mundo que nem sei mais como é.
Até depois da boca da noite tem gente que
chega batendo a porta. Tenho medo não. Olho pela fresta e logo abro se não
percebo qualquer estranheza. Mas roubar o que, levar o que daquilo, pelo amor
de Deus? Um pote, um tamborete, uma moringa, um aió, um embornal?
Vida de pobre é assim. Duas galinhas no
quintal e um porco que nunca engorda. Bicho magro, sempre com sede e fome.
Assim como as duas vaquinhas, o jegue e o cavalinho ossudo. O cachorro já tá
tão velho que sequer se segura em pé. E um papagaio falador. Eita bicho danado.
Quando abro a janela sempre me chega uma
brisa boa, mas também um calor mormacento de vez em quanto. Quando a poeira avança
é porque já sei que vem gente lá pela estrada. E aqui permaneço, ora colocando
graveto no fogo de lenha ora batendo café no pilão.
Sei que logo alguém vai bater à porta. Um
povo que passa com sede, com fome, cansado, trazendo alguma notícia. Então vou
abrir a porta e dizer que a casa é pobre, mas nunca falta a caneca d’água e um
pedaço de pão.
Por isso que quando vier pra essas bandas e
estiver chovendo ou fazendo sol, pode se achegar. Terá uma porta aberta e uma
mão estendida.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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