EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 97
Rangel Alves da Costa*
Àquela hora da noite deveria confiar num estranho que batia à sua porta? Não há de temer Lucas, abra a sua porta, foi o pensamento que se firmou em sua mente e assim o fez. Acendeu a luz da varanda e mandou que esperasse um pouco. Contudo, quando abriu a porta e por mais que procurasse nos arredores não encontrou ninguém por ali.
Tinha certeza de ter ouvido o barulho na porta e escutado as palavras da pessoa que estava lá fora, e não encontrar ninguém depois que resolveu atender era muito estranho. Talvez tudo não tivesse passado de um sonho. Um sonho com barulho e palavras. Só poderia ter sido um sonho. E voltou ao quarto para adormecer novamente.
Diante do ocorrido acordou um pouco mais tarde, porém ainda muito cedo. Ainda pensando na noite passada, tomou um cafezinho e em seguida foi buscar a enxada para começar logo a limpar aquele mato que crescia por todos os lugares. Como havia prometido a si mesmo, deixaria tudo aquilo bonito e agradável novamente. Porque as pessoas estavam afastadas não se justificava que tudo ficasse entregue à sorte e voracidade do tempo.
Ao caminhar diante da casa para ver por onde começava, avistou algo como se fosse um velho pedaço de cano ali jogado. Se abaixou para tirar o objeto dali mas percebeu que na verdade se tratava de um papel enrolado em canudo, preso por uma fita de pano. Tudo era tão velho e amarelado que Lucas achou que nem daria para saber direito do que se tratava nem do seu conteúdo.
Quando apanhou o objeto percebeu, contudo, que o papel estava mais preservado do que imaginava e que após retirar aquela fita seria possível ler o que estava escrito, se houvesse algo nesse sentido. Assim que abriu a folha, parecendo um pergaminho nas letras bem escritas e quase desenhadas, certamente escritas há mais de cem anos pela cor de ferrugem que continha, tomou logo um susto ao ver o seu nome estampado lá no alto, na parte inicial do texto. Estava lá: Lucas. E não poderia ser outro.
Ainda espantado com a descoberta, mesmo assim se pôs imediatamente a ler o que estava escrito após o seu nome:
"Fui até sua porta e fui atendido. Não esperei nem entrei porque isto não era permitido. A mim somente caberia ser mensageiro de sua sentença, sem que nenhuma pena possa ser dada agora.
Você tem sofrido demais e talvez pense que os olhos daquele que vê tudo esqueceram de te olhar e enxergar. Não, pois neste momento não estás sem que ninguém o veja. Olhos repousavam sobre ti, estão dentro de ti e em todos os lugares. Nada é despercebido. Nada passará despercebido àquele que vê. E ele viu e vê o teu sofrimento e por isso mesmo decidiu que é chegado o momento da grande decisão, da luta do bem contra o mal.
E antes que sobre ti caiam três sóis e três luas haverá de estar frente com o eu futuro, onde poderá selar seu destino com o sangue que escorrerá do teu dedo ou com o anel de ouro que estará no dedo da sua outra mão.
Assim será porque assim está escrito no Livro do Apocalipse. Apocalipse 6, 12-17; 19, 10-21; e 21, 1-7".
Imediatamente Lucas saiu correndo em direção à porta de casa e assim que entrou quase tropeça na vontade de encontrar a bíblia e ler o que estava nas passagens indicadas. E os olhos começaram a ler com avidez, primeiro Apocalipse 6, 12-17:
"Depois vi o Cordeiro abrir o sexto selo; e sobreveio então um grande terremoto. O sol se escureceu como um tecido de crina, a lua tornou-se toda vermelha como sangue e as estrelas do céu caíram na terra, como frutos verdes que caem da figueira agitada por forte ventania. O céu desapareceu como um pedaço de papiro que se enrola e todos os montes e ilhas foram tirados dos seus lugares. Então os reis da terra, os grandes, os chefes, os ricos, os poderosos, todos, tanto escravos como livres, esconderam-se nas cavernas e grutas das montanhas. E diziam às montanhas e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o Grande Dia da sua ira, e quem poderá subsistir?".
Depois leu Apocalipse 19, 10-21:
"(...) Adora a Deus. Porque o espírito profético não é outro que o testemunho de Jesus. Vi ainda o céu aberto: eis que aparece um cavalo branco. Seu cavaleiro chama-se Fiel e Verdadeiro, e é com justiça que ele julga e guerreia. Tem olhos flamejantes. Há em sua cabeça muitos diademas e traz escrito um nome que ninguém conhece, senão ele. Está vestido com um manto tinto de sangue, e o seu nome é Verbo de Deus. Seguiam-no em cavalos brancos os exércitos celestes, vestidos de linho fino e de uma brancura imaculada. De sua boca sai uma espada afiada, para com ela ferir as nações pagãs, porque ele deve governá-las com cetro de ferro e pisar o lagar do vinho da ardente ira do Deus Dominador. Ele traz escrito no manto e na coxa: Rei dos reis e Senhor dos senhores! Vi, então, um anjo de pé sobre o sol, a chamar em alta voz a todas as aves que voam pelo meio dos céus: Vinde, reuni-vos para a grande ceia de Deus, para comerdes carnes de reis, carnes de generais e carnes de poderosos; carnes de cavalos e cavaleiros; carnes de homens, livres e escravos, pequenos e grandes. Eu vi a Fera e os reis da terra com os seus exércitos reunidos para fazer guerra ao Cavaleiro e ao seu exército. Mas a Fera foi presa, e com ela o falso profeta, que realizara prodígios sob o seu controle, com os quais seduzira aqueles que tinham recebido o sinal da Fera e se tinham prostrado diante de sua imagem. Ambos foram lançados vivos no lago de fogo sulfuroso. Os demais foram mortos pelo Cavaleiro, com a espada que lhe saía da boca. E todas as aves fartaram-se da suas carnes".
Por fim, leu Apocalipse 21, 1-7:
"Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existia. Eu vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo. Ao mesmo tempo, ouvi do trono uma grande voz que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição. Então o que está assentado no trono disse: Eis que eu renovo todas as coisas. Disse ainda: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Novamente me disse: Está pronto! Eu sou o Alfa e o Ômega, o Começo e o Fim. A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber da fonte da água viva. O vencedor herdará tudo isso; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho".
E após a leitura Lucas ficou pensando: Quando será a batalha final, entre os reis da terra e o cavaleiro que terá como herança ser reconhecido como filho de Deus?
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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