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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – Final

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – Final

Rangel Alves da Costa*


Desafiava os avanços da medicina e a sabedoria dos médicos, mas a verdade é que Lucas já estava em coma há mais de um ano. O quadro clínico estava estabilizado nesse limite entre o céu e a terra, sem que houvesse sinais de melhoria nem de piora, o que deixava ainda mais os doutores e enfermeiros sem uma explicação razoável para o caso. Na verdade, passaram a diagnosticar não haver mais enfermidade alguma.
O mesmo não acontecia com os anjos plantonistas que sabiam do que se tratava e permaneciam em festa ao lado do protegido apenas para resguardá-lo de qualquer erro médico ou do surgimento de infecção hospitalar. Fora isso, era tudo motivo de alegria e encantamento para os querubins, serafins, tronos, domínios, potências, virtudes, principados, anjos e arcanjos.
O anjo do Senhor aparecia por ali de vez em quando, derramava sua luz sobre o corpo de Lucas e depois retornava para o barracão, para a praça da cruz, para os arredores do berço onde o solitário sonhador e seus amigos sonharam construir um alicerce de vida para todos da comunidade.
Com a morte daqueles que tudo fizeram para destruir aquele sonho, com a liberdade que os meninos e suas famílias passaram a ter novamente para trabalhar e viver os destinos do barracão, e até como homenagem a Lucas que ficaria muito satisfeito se pudesse saber como estava linda sua obra, com o novo barracão já erguido e em pleno funcionamento, com uma capelinha construída pela comunidade e muitas outras melhorias, a vida ali era de muito trabalho, de esperanças e de orações para que o amigo pudesse logo se recuperar e voltar para o seu mundo feliz.
Mas já se passava mais de ano e nada do quadro clínico mudar. Não diagnosticavam nada, porém ele não saía do estado de coma. Verdade é que os médicos nem sabiam mais o que dizer sobre o paciente, pois não apresentava mais nenhum sintoma de doença nem acordava de vez. Não havia mais necessidade de ter aparelhos ligados, acompanhamento seguido do quadro clínico, com exames disso e daquilo, nada.
Dentre os profissionais, o que se comentava era que só restava esperar que ele começasse a apresentar reflexos, abrir os olhos e ir ganhando forças para ser encaminhado para outro setor no hospital e em seguida receber alta. Só faltava isso, mas o problema é que ele não se mexia, não abria os olhos, não apresentava reflexos quando estimulado. Mas quem olhasse para o seu rosto diria que estava sorrindo, feliz, contente.
Numa bela manhã de primavera, quando enfermeiras se dirigiram para o leito de Lucas, encontraram o local vazio, totalmente arrumado e sem o paciente. Foi o maior desespero para as duas mocinhas de branco, que não sabiam o que dizer nem o que fazer diante da situação inusitada. E ficaram mais desesperadas ainda quando Lucas, em pé próximo onde estavam, pediu para que ficassem calmas porque estava bem. Desmaiaram na hora e só foram acordadas pela orquestra dos anjos tocando nos seus ouvidos.
Daí por diante, com a chegada do anjo do Senhor, tudo se normalizou e em instantes, mesmo que isso tenha levado dias, Lucas já estava deixando o hospital ao lado da felicíssima irmã e do cunhado. No mesmo dia retornou ao seu interior, à sua pequena propriedade, ao seu lar, ao seu barracão, à sua vida. E assim que se viu na cancela e olhou adiante quase não reconhece quantas coisas maravilhosas haviam ocorrido ali.
No lugar totalmente tomado pela névoa de paz e felicidade espalhada pelo anjo do Senhor, não teve lugar para perguntas nem para respostas, mas apenas para o encantamento de Lucas diante daquela obra maravilhosa que estava sendo conduzida pelos meninos. E como haveria de ser, como já estava previsto no livro do destino, durante os próximos três meses se entregou com paixão a organizar mais ainda as atividades do barracão e a abrir suas portas para um futuro com muito mais realizações e prosperidade.
No primeiro dia após os três meses que havia retornado, decidiu comunicar aos meninos uma decisão irrevogável que havia tomado. Entregou a Paulinho e os outros meninos a responsabilidade por tudo que havia ali, confiando-lhes mesmo o destino daquela grande obra, e resolveu que seria o momento de cumprir sua obrigação para com Deus, pois havia sido escolhido e havia uma cruz para ser carregada. Disso jamais esqueceria.
E no alvorecer seguinte, assim que o galo cantou, saiu pelos caminhos do mundo carregando a cruz do Senhor. Cruz está feita da mais nobre madeira da palavra, dos ensinamentos e das boas ações.
Eis a promessa e o destino: "Em seguida, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me...".
E os anos se passaram e Lucas carregava ainda mais cheio de contentamento e felicidade sua cruz. Mas já não estava mais sozinho, pois outras pessoas seguiam-no pelo mesmo caminho, e estes amigos eram Simão, chamado Pedro, André, João, Tiago, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Judas Tadeu, Simão e Judas Iscariotes.


FIM




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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