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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Última viagem)

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Última viagem)

Rangel Alves da Costa*


Depois de tanto pisar estrada, cruzar vereda, abrir cancela e o corpo dolorido pedir descanso e um copo de água de pote, deito embaixo do telheiro e agradeço a Deus por ter permitido viajar e conhecer esse mundão chamado Poço Redondo.
É tudo grande, imenso, no lugar. É o maior município sergipano em área territorial (1.212 km² segundo o IBGE); é o que tem o maior povoado do estado, que é Santa Rosa do Ermírio; é o que acolhe em suas terras o maior número de ocupações, assentamentos e trabalhadores oriundos do MST; é o que possui o ponto mais elevado de Sergipe, na Serra da Guia, com 750 m; é o que possui a parteira que mais trouxe sertanejos ao mundo, Zefa da Guia, cujas mãos já cortaram o cordão umbilical de mais de cinco mil criaturinhas; é um dos municípios do estado com o maior índice de analfabetismo (o município apresenta 46,9% de jovens e adultos com idade a partir dos 15 anos que não sabem ler nem escrever); é o município onde quase metade da população é analfabeta; é o município que possui o menor índice de desenvolvimento humano – IDH (equivalência entre educação, renda e taxa de longevidade) do estado; é certamente a sede municipal mais feia, mais suja, mais esburacada e mais desorganizada do estado. Se tiver pior não é cidade, é muquifo.
Poço Redondo possui um dado que não deve ficar esquecido, pois também é o único município do estado que não é homenageado com nenhuma rua com o seu nome na capital sergipana. Foi aquele que mais forneceu cangaceiros, homens e mulheres, todos jovens e filhos da terra, para o bando de Lampião. É o único lugar do mundo onde os próprios habitantes têm que pagar para assistir shows organizados pela prefeitura (nas festividades da padroeira e emancipação política) na praça de eventos, que é uma praça pública (os próprios moradores ao redor da praça têm que pagar para entrar na praça onde residem).
Algumas curiosidades: Em Poço Redondo, 74% da população vivem nos campos. Jorge Alves Sobrinho, advogado, foi o primeiro poço-redondense a se formar. Depois de já ter escolhido Poço Redondo como cenário de dois de seus filmes ("Sargento Getúlio" e "A Mulher no Cangaço"), o cineasta Hermano Penna brevemente voltará ao município para filmar "Aos Ventos que Virão", conforme noticiou a imprensa:
"(...) Dessa vez, Penna vai a Poço Redondo contar uma história baseada em fatos reais, sobre um jovem cangaceiro que após ver o fim do cangaço, decide mudar sua vida. Sendo discriminado, ele sai de sua terra e vai para São Paulo, onde constrói uma nova realidade e um dia resolve voltar ao Nordeste. Nesse retorno, já detentor de cultura, o jovem se tona político.
Na política, descobre a corrupção e sofre uma injustiça por parte de um juiz sem escrúpulos que veta o voto de seus eleitores. Revoltado, o ex-cangaceiro volta a ter atitudes agressivas. Ele invade a cidade, rouba e queima urnas. Daí pra frente, Hermano Penna mantém segredo. Ele revela que já está escolhendo o elenco com 30 atores sergipanos, 12 de Salvador e os protagonistas que por enquanto não terão seus nomes revelados" (Jornal Cinform, 04/03/2010).
O personagem que será retratado por Penna no filme não será outro senão José Francisco de Nascimento, o Zé de Julião e também Cajazeira, o político e o cangaceiro. Tudo isso num homem só.
Segundo relatou o próprio cineasta: "É um filme baseado em uma história que eu ouvi, do meu amigo Alcino de Poço Redondo e que eu fiquei encantado desde 77, quando estive lá. Uma pessoa que foi do bando de Lampião, mas não é uma história sobre o cangaço. Esse homem depois vai para São Paulo e volta para retomar a vida. Naquela época os jovens faziam parte do cangaço, mas não tinham relação com o crime. Não vou falar mais se não acabo contando o filme" (Hermano Penna gravará filme em Poço Redondo – Infonet cultura, 03/10/2009).
Contudo, os próprios estudantes de Poço Redondo já produziram e dirigiram o filme "Ribeirinhos do Sertão" num trabalho desenvolvido por alunos da rede pública de ensino do município. O vídeo conta a história de Poço Redondo e ressalta seus pontos turísticos, com destaque para a Gruta do Angico, local em que Lampião, Maria Bonita e parte do seu bando de cangaceiros foram mortos. O documentário se mistura com a ficção, pois além de falarem sobre o lugar onde vivem, os estudantes contracenam nos papéis do Rei e da Rainha do Cangaço.
São fatos bons em meio a tanta miséria e pobreza. E quanto mais feiúra e decadência mais a administração municipal aplaude os frutos da sua própria inglória.
Mas como dito, coisas boas também acontecem. Por exemplo, é em Poço Redondo que reside o escritor com maior número de obras voltadas para a análise do sertão e os seus fenômenos.
Alcino Alves Costa, ex-prefeito municipal por três vezes, radialista, pesquisador, historiador, palestrante, escritor, compositor, um autodidata (estudou somente até o 4º ano primário) que já publicou os seguintes livros: "Lampião Além da Versão: Mentiras e Mistérios de Angico"; "Sertão, viola e amor"; "O Sertão de Lampião", "Preces ao Velho Chico", "Canindé de São Francisco: Seu Povo e Sua História", "Poço Redondo: A Saga de um Povo". Muitos outros já estão prontos para publicação, como "Maria o Sertão" e "Lampião em Sergipe".
Sobre Alcino, recentemente o jornalista e acadêmico da ASL Luiz Eduardo Costa escreveu:
"POÇO REDONDO E OS 70 ANOS DE ALCINO - Alcino Alves Costa, escritor com vários livros publicados, compositor de músicas tocadas em todo o Brasil, é um sertanejo que acompanha o vôo de uma asa branca ou contempla o florescer de uma craibeira, com a reverencia quase mística, de quem valoriza e ama as coisas do sertão. Isso, esse sentimento de ligação com a terra, o fez pesquisador incansável que enriqueceu a História da saga nordestina. Alcino fez setenta anos, quinta-feira dia 17, e acordou ao som de uma festiva alvorada. Foi a primeira das manifestações que se sucederam durante todo o dia, organizadas pela comunidade de Poço Redondo, e às quais se juntaram a Câmara de Vereadores e o Prefeitura. Alcino foi prefeito de Poço Redondo em três mandatos. Durante os doze anos espalhou dezenas de escolas pelo município, iniciativa que foi lembrada por muitos professores que se juntaram às homenagens. Festejando e reverenciando um escritor, pesquisador e divulgador do sertão, a comunidade de Poço Redondo dá um belo exemplo de valorização da cultura" (19 de junho de 2010 - http://www.radioxingofm.com.br/luizeduardocosta/noticias).
Prefaciando nos anos 90 o livro "Lampião Além da Versão: Mentiras e Mistérios de Angico", a historiadora e antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, assim se referiu a Alcino e sua obra:
"Admirador da valentia, dos golpes de inteligência e força guerreira de Lampião, é ele próprio um pacifista, um sertanejo da capital mundial do cangaço", que nunca usa arma. Risonho, cercado de filhos seus e da incúria dos governantes, recitando versos nos programas da Rádio de Canindé de São Francisco, escrevendo livros, tecendo redes de alianças políticas, debatendo cangaço, pesquisando, sempre acompanhado de artistas de sua terra, é o cartão de visita de Poço Redondo".
Uma síntese sobre Alcino e sua obra é magistralmente fornecida por Paulo Gastão, estudioso do cangaço e membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC, da qual Alcino também é membro, no artigo "Poço Redondo e Alcino (I)", publicado no Jornal da Cidade em 18/10 de 2009. Eis o texto:
"As gerações se sucedem num piscar de olhos. A lista de nomes representativos pode ser consultada tanto no Estado de Sergipe, como nos confins da Mongólia. Queremos nos referir especificamente aqueles que se dedicam ao mundo da literatura popular na forma mais abrangente que possamos admitir.
Continua sendo ledo engano somente as grandes cidades, capitais ou não, serem produtoras de bons cronistas, jornalistas, pesquisadores, escritores. É oportuno lembrar que a maioria dos selecionados são originários de pequenos rincões, distantes do grande centro cultural e administrativo.
Vamos deixar a brancura das ondas do Atlântico para nos depararmos com a enxurrada trazendo nutrientes no seu bojo, mas que alegra aos residentes às margens do Rio Jacaré. Assim agem o Mecong, o Amazonas, o Missisipi, o Nilo e demais grandes rios do mundo. O rio torna-se a fonte de riqueza e bonança às comunidades ribeirinhas. Ai está o Egito e o Nilo como eficaz afirmativa.
No caminho dessas águas encontra-se a pequenina e admirada Poço Redondo. Chão de homens corajosos na luta com o gado, como também, no uso das armas. Sua existência vem dos idos do século passado, quando ainda em formação pertencia ao município de Porto da Folha.
Sua pujança se fez notar pelo procedimento da sua gente, ao longo dos anos, onde a luta pela sobrevivência sempre afrontava a todos. Fizeram os homens que seu solo branco gerasse energia suficiente para que todos permanecessem atrelados aquele torrão. Ninguém debandou. Lutas infindas foram travadas ao longo dos tempos. Necessário se fazia a procura de um cronista para dar conhecimento ao mundo do quanto bravio é o povo de Poço Redondo e de tudo que o cerca.
Na sua brejeirice, encontramos um homem, que ao longo dos anos vem sendo o grande e único repórter dos sertões sergipanos. Ocupa-se com cangaço, música popular, literatura de cordel, peleja de violeiros, os tempos do ontem e do hoje. Tem programa matuto na rádio Xingó FM, que opera na vizinha cidade de Canindé de São Francisco, levando sua voz amiga, ouvida e acatada informações de real utilidade aos ouvintes tanto os do Jacaré como os do São Francisco. Serviço hercúleo faz o Caipira de Poço Redondo todas as semanas.
De forma simples, humilde e buscando um lugar ao sol no mundo literário consegue com seus primeiros livros obter aceitação e credibilidade. Com o aval dos ditos letrados estavam as veredas livres para com suas pesquisas.
Assim, Alcino Alves Costa, também conhecido por Alcino Costa, o caipira de Poço Redondo, abraça a causa dos seus conterrâneos. Prepara-se para uma grande jornada, talvez sem fim, porém, extremamente gratificante. É sabedor das dificuldades, alegrias, preocupações que está abraçando. Como homem determinado não olhou para trás. O que ele deseja na expressão ‘atrás’ é a história dos seus antecedentes e consequentemente do povo da sua geração, e mais, como ele gosta de se expressar, - a história dos povos sertanejos.
Alcino cria linguagem, personagens, mostra-se humano, grande memorialista e único repórter-escritor dos sertões de Sergipe. Brevemente voltaremos ao assunto".
É de Alcino a letra da música "Garça branca da serra", cantada pela dupla sertaneja Dino Franco e Mouraí:

"Naquela serra do norte o sol nascendo dourado
Lindos raios vão surgindo naquele reino encantado
Ao longe a serra azul formando um manto sagrado
A garça branca da serra tem ali o seu reinado
Bem pertinho da cascata
E perto da verde mata daquele sertão amado.

É obra da natureza o mundo da passarada
A serra desponta bela no final daquela estrada
A garça branca da serra fez ali sua morada
Quando chega a tardinha ela volta pra pousada
Com seu porte de rainha
A plumagem é branquinha parece deusa sagrada.

Também tenho a minha garça, garça linda meu senhor,
Ela não mora na serra e também nunca voou
É uma bela morena com um olhar encantador
E a mulher que eu amo que o destino me enviou
Ela vive em meu ranchinho
É a garça do meu ninho, um bem que Deus me deixou".

Outro escritor poço-redondense, advogado, poeta, contista e cronista, atende pelo nome de Rangel Alves da Costa, filho de Alcino. Nos anos 90 publicou o livro de poesias "Todo Inverso", sendo também premiado em concurso de poesia com "Hiroshima" e em conto com "Realidade Passageira".
Dentre as obras de Rangel que brevemente serão publicadas estão "Ilha das Flores" (romance), "Evangelho Segundo a Solidão" (romance), "Três Contos de Avoar" (contos), "O Livro das Palavras Tristes" (crônicas), "Nuvem de Temporal" (poesias), "Da Arte da Sobrevivência no Sertão".
Dois momentos poéticos de Rangel:

Poema do Sacrifício

Trabalhador como ainda sou
sem ter que fazer na solidão
só faço o que manda a precisão
e por isso e mais
colho o barro na ribeira
procuro madeira na mata
garimpo a pedra disforme
repuxo o couro esticado
recolho o vidro e o bronze
preparo a fornalha e o cinzel
encho a bacia de água
recorto e ponteio pedaços
bato e amasso o inteiro
moldo e faço acabamento
depois coloco na luz do sol
debaixo reflito na lua
depois lavo na água corrente
depois olho e me alegro
depois digo enfim
que tudo na vida é trabalhoso
e não vale mais que doistões.


Prisão

Amar
arma
armadilha
num instante
o amante
preso
na prisão
o peso
do amor
ainda aceso

Mas se liberta
a porta aberta
ainda incerta
a vontade do libertar
por querer ficar
e se aprisionar
por amar.


Descanso da viagem, por enquanto...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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