MEDO DE LUA CHEIA
Rangel Alves da Costa*
Quando eu era mais velho e um pouco maior do que sou agora, bem lá no sertão onde havia um oásis verdejante no meu olhar e um mar imenso em todo lugar, eu era medroso, muito medroso, arrepiado de dá dó quando falavam em coisas da lua.
Ora, falar em coisas da lua era falar em noite, que era falar em escuridão. E nesse breu sertanejo os mistérios e as assombrações, os causos do lobisomem, da mula-sem-cabeça, do fogo-corredor, dos estranhos sinais luminosos nas matas, nas visagens, nas miragens amedrontadoras, nas velas que acendiam sozinhas no cemitério, nas almas penadas vagando arrastando correntes, na mulher de branco que traiu o marido com o padre, no vento que geme e chora, no mistério daquela moita, nas outras moitas e noites misteriosas.
Mas de nada disso eu tinha medo, pois sabia que a maioria era invenção e que as pessoas só contavam essas estórias para preservar a cultura de mistérios e lendas que fazem parte do cotidiano fantasioso e fantástico do sertão e do sertanejo. Ao lado dos causos de mulher safada que trai o marido, nada era mais instigante do que falar sobre o desconhecido. Contudo, medo mesmo, medo de mijar no calção eu tinha quando ouvia falar em lua cheia. Não sei por que, mas a lua cheia sempre me causou espanto e temor.
Acho que só pra fazer medo, mas me contaram uma vez que todas as vezes que a lua estava cheia a gente podia ver uma mulher linda e toda nua deitada numa pedra grande que tinha no riacho. Mas nem adiantava chegar mais perto, pois com qualquer aproximação a mulher se transformava numa perereca e pulava pra dentro da cacimba. E sabiam até quem era aquela mulher. Tratava-se, segundo disseram, de uma jovem que enlouqueceu depois que ficou viúva muito cedo e por isso mesmo ia todas as noites ficar nua naquela pedra esperando que o marido descesse num raio de luar para lhe possuir.
Ouvi também a estória da lua cheia safada e que causava muito ciúme nos maridos, noivos e namorados. Segundo diziam, durante certo período, assim que anoitecia e a lua começava a sair, as mulheres, novinhas e até coroas, começavam a ficar nervosas, arrepiadas, se coçando no corpo todo, dando suspiros como quem estavam recebendo um carinho mais safado. O pior é que ficavam olhando pra cima sem parar e muitas delas levantavam as saias para a luz do luar brilhar nas coxas e partes íntimas.
E quando a lua cheia estava realmente toda cheia, sem nenhuma nuvem encobrindo, ouvia-se por todos os lugares gemidos e mais gemidos, sussurros de prazer explícito. Dizem até que muito menino nasceu com cara de lua e com uma estrela na testa. Quanto aos homens traídos pela lua, coitados, assim que descobriram de quem era a culpa começaram a andar com calendários no bolso e quando se aproximava o tempo de lua cheia nenhuma mulher botava mais os pés do lado de fora da casa depois das cinco da tarde. O problema é que tinha as frestas nas janelas e telhados e o raio de lua acabava iluminando bem naquele lugar.
Essas coisas eu gostava de ouvir, mas só de ouvir, pois não queria muita conversa sobre coisas de lua não. E fiquei mais intrigado com a lua cheia principalmente quando soube que ela, ao invés de luz, era cheia mesmo era de umas coisas chamadas tempo, idade, envelhecimento, esquecimento. E jogava essas coisas por cima da gente e depois ainda ficava iluminando a gente envelhecida, na solidão e com saudade dos mistérios da lua no sertão.
Poeta e cronista
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