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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

TEMPO BOM: AINDA HÁ TEMPO? (Crônica)

TEMPO BOM: AINDA HÁ TEMPO?

Rangel Alves da Costa*


Muitas pessoas viveram a infância, a mocidade, a vida adulta, a maturidade e somente quando adentram na velhice, com todo o peso dos anos e todas as consequencias, é que começam a lamentar o tempo perdido e tentam, a todo custo, fazer o que não pensaram ou não puderam praticar durante o passado. Mas ainda haverá tempo?
Não há nenhum erro em querer, a qualquer instante, aproveitar o máximo da vida. Pelo contrário, nunca é muito tarde para construir, para aproveitar o que for possível e até para sonhar. Somente os que já nascem com a síndrome dos derrotados, os medrosos, os pessimistas e preguiçosos não correm atrás de qualquer oportunidade que torne possível vencer, mesmo com o suor da idade e o sangue do sacrifício.
Ora, se após a velhice vem a certeza da morte, muitos pensariam em deixar o barco à deriva, à vida entregue à própria sorte e as coisas simplesmente acontecerem porque nada mais terá jeito mesmo. Por que lutar agora, se os anos que faltam viver não merecem nenhum esforço para conseguir nada; por que trabalhar ainda, adquirir riqueza ainda, ter dinheiro e muitos bens se nada mais poderá comprar a saúde, o vigor físico e a felicidade dos tempos de outrora; por que sorrir se a imagem que vem à mente é de um ser que de repente nada mais será? Indagações e indagações...
Na luta vã pela certeza da vida que se vai, corrompe a mente o conformismo pessimista e certamente encontrará paisagem propícia para viver as desilusões, os arrependimentos e as angústias. Na cadeira de balanço, em frente da casa ou na sombra de qualquer pé de pau, o já velho e derrotado por se sentir assim fica imaginando o passado, sentindo o vento da saudade soprar e lágrimas aproveitadoras se achegando para pontuar a total solidão e o sentimento de abandono.
Nem rádio ouve mais, mas se carregasse ainda um consigo certamente ouviria uma música jovem que é a sua cara, mesmo o nome sendo "Epitáfio" e cantado pelo Titãs:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe alegria
E a dor que traz no coração...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr...

Pensamentos não faltam, saudades chegam aos montes e tristezas também, e muitas vezes não planejam nem o dia seguinte, quiçá caminhar por aí, percorrer os mesmos caminhos de antigamente, rever os amigos, passear, viajar, se alegrar, curtir a vida, como costumam dizer. Muitos ainda colocam na cabeça que quanto menos esforço melhor, senão o corpo envelhecido não suporta, chegam as mazelas próprias da idade e as doenças tomam conta daquele velho corpo que não vale mais nada. Praticamente vivem gritando pela morte que está distante.
Se a situação do idoso já é complicada por natureza, negativar ainda mais esse momento da vida é abdicar da própria existência. Certamente que ninguém pretende que queiram forçar as barras do tempo e de repente chamarem para si os modismos exagerados e descabidos, a vida mundana desregrada, as ações, gestos e atitudes próprias da galera descomprometida com a seriedade e com a decência.
Seria simplesmente ridículo ouvir gírias e outras estrambolices vindas da boca de um idoso, vê-lo com roupas de surfista ou camisas de malha apertadinha pra cima e pra baixo, usando boné com a viseira pra trás ou o dia inteiro com um skate debaixo do braço. Diga aí meu, valeu galera! Tô na maior larica! Simplesmente ridículo.
Mas também não se deve pretender que a chamada terceira idade seja a fronteira para a reclusão e para que cada um fique simplesmente esperando a morte chegar. Diferentemente do que muitos imaginam, é nessa idade que o conhecimento e a experiência adquirida se unem à necessidade de realizar e faz brotar ideias geniais, feitos surpreendentes e surgem grandes artistas, escritores, poetas, empresários, desportistas, enfim, uma série de situações e aptidões que ninguém imaginaria que fossem surgir.
José Antonio da Silva, um dos maiores constitucionalistas e doutrinadores do direito do Brasil, até grande parte da vida adulta foi tropeiro por profissão e só enveredou pelo mundo jurídico e lançou o seu primeiro livro com idade avançada. Exemplo como esse pode ser visto aos montes por todos os lugares.
Nos fundos das casas, nos ateliês e oficinas improvisadas, nas gavetas dos birôs e escrivaninhas muitas vezes se escondem geniais produções artísticas e literárias. O que a mídia de vez em quando mostra é apenas uma pequena parcela do quanto é produzido pelo pensamento e mãos dessas pessoas maravilhosas.
Agora, uma coisa é certa: fica tomando chazinho esperando a morte chegar quem quer; levanta e vai atrás da vida quem quer. A vida não fica mandando que alguém faça isso ou aquilo, apenas diz que ainda há tempo para se fazer tudo, seja em qualquer idade. O problema é procurar saber bem até onde vai a idade física e a idade mental.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Toninho disse...

Belo exercicio sobre viver,com uma oportuna musica na ilustração.A vida esta sempre a nos mostrar que é possivel. Sentar e ficar esperando a dita chegar é uma opção.Meu abraço Rangel pelas boas cronicas e textos que fazem reflexão.Um bom fim de semana neste processo democratico e que seja na paz.